Título: Milagre em meio à tragédia
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 25/08/2005, Internacional, p. A9

O mau tempo atrasou a chegada à cidade de Pucallpa, ontem, de dois vôos procedentes de Lima com ajuda médica para os sobreviventes e parentes dos mortos do Boeing 737-200, da companhia aérea Tans. O avião caiu ontem a 4 km da pista do aeroporto, na Amazônia peruana, com 98 pessoas a bordo.

No local, mais de 500 pessoas, entre equipes de resgate e moradores, usaram facões para cortar o mato, abrindo caminho na área pantanosa em meio a destroços fumegantes do jato, que ia de Lima a Iquitos, um centro turístico. Os restos do jato se espalharam por uma área de 500 metros quadrados. O quadro, segundo policiais, era dantesco.

- Vários passageiros foram decapitados. Outros ficaram mutilados ou foram queimados - contou um dos agentes.

A Tans informou ter recuperado pelo menos 31 corpos. Dez pessoas continuam desaparecidas e outras 59 sobreviveram à queda, das quais duas em estado grave. Entre os passageiros, 11 eram americanos (dos quais, seis, todos de uma mesma família, escaparam com vida), 4 italianos, uma espanhola, e um australiano. De acordo com a empresa, entre os desaparecidos podem estar moradores de Pucalpa que seguiam no vôo e foram para casa sem passar pelo atendimento médico de emergência. Duas comissárias também sobreviveram.

- Foi um milagre, toda a minha família está bem - declarou a americana Vilma Vivas, que viajava com o marido, suas três filhas e um genro. O grupo conseguiu sair por uma porta de emergência aberta por uma comissária. Dois brasileiros, Vagner Roberto de Souza e Nivaldo Papete, também estão entre os que escaparam. Ambos passam bem.

O jato, fabricado em 1983, era alugado a uma empresa sul-africana. Sob chuva torrencial, os pilotos circularam sobre o aeroporto até optar pelo pouso em uma estrada, sem o uso dos trens de aterrisagem, contando com o impacto contra as árvores para reduzir a velocidade. O choque foi tão violento que dividiu o Boeing em dois. Sobreviventes - todos estavam na parte traseira - disseram que houve problemas no vôo e que o avião começou a sacudir muito.

- Senti um impacto forte, depois houve um clarão e muito fogo, que tomou conta da cabine. Vi um buraco do meu lado esquerdo e fugi, junto com outras duas pessoas - contou o passageiro Yuri Salas. - Alguém gritou que eu corresse porque o incêndio estava feroz, mas estávamos com lama pelos joelhos - acrescentou.

Os italianos Letizia Onorati e seu namorado, Simone Simonini, também descreveram em detalhes o drama a bordo.

- O avião foi para a floresta, tudo queimava. Senti o choque e desmaiei. Simone me arrastou para fora e caminhamos na floresta. Depois, os moradores nos levaram para o hospital - contou Letizia.

- Percebi que estava queimando, soltei o cinto de segurança e procurei Letizia. Quando a encontrei, a puxei pelas calças e a levei para fora. Era uma grande tempestade, não se via nada. Pensei que estávamos na pista, mas depois começamos a ouvir o barulho das árvores se partindo. Houve uma grande confusão e depois o choque e as chamas - acrescentou Simonini.

A Tans afirma que o 737 não caiu, mas ''fez um difícil pouso de emergência''. O Boeing teria sido apanhado por uma ''wind shear'' (''tesoura de vento''), rajada que varre a área de pouso lateralmente e deixa a aeronave ingovernável.

- Aqueles ventos cruzados produzem correntes de ar que sobem e descem, e um piloto simplesmente não pode voar sob tais condições - disse John Elliot, presidente da Associação Peruana de Pilotos.

O último acidente com uma aeronave da companhia ocorreu em janeiro de 2003. Na ocasião, um bimotor Fairchild bateu em uma montanha, matando todos os 46 a bordo.