Título: 'Democracia' à beira da guerra civil
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 26/08/2005, Internacional, p. A8

A nova constituição iraquiana corre o risco de ir à votação popular em 15 de outubro) em plena guerra civil, o que adiaria indefinidamente o início da retirada das tropas americanas do país, condicionado ao estabeleci mento de uma democracia de fato. Ontem foi o fim do prazo dado para que xiitas, curdos e sunitas chegassem a um acordo quanto a pontos polêmicos da minuta da Carta, mas não houve consenso.

O prazo foi prorrogado até o fim da noite de hoje, mas são poucas as esperanças de os sunitas abrirem mão da oposição que fazem à minuta da constituição finalizada na segunda-feira. A tendência agora é que o documento vá à votação popular mesmo sem acordo e as divergências apresentadas em plenário deverão se refletir nas ruas, cada grupo em busca de seus eleitores.

Se o texto for rejeitado nas urnas, o processo começa de novo: o parlamento será dissolvido e uma nova minuta terá de ser redigida. E tudo será acompanhado de perto pelas tropas americanas, que terão o efetivo aumentado em 1,5 mil soldados, conforme a Casa Branca anunciou essa semana, já preocupada com o risco de guerra civil iminente.

Nas ruas, a violência dos rebeldes recrudesceu e deu sinais de que a explosão de um conflito interno sem precedentes no país é mais do que uma projeção pessimista: os corpos de pelo menos 36 homens foram encontrados ontem, com as mãos amarradas e tiros na cabeça. As primeiras informações dão conta de que seriam soldados xiitas.

A maioria dos xiitas - que vivem seu próprio conflito interno e essa semana tiveram pelo menos 17 mortos pelos ataques rivais - e curdos estão juntos no que diz respeito à elaboração do texto da constituição. Estavam, portanto, de acordo quanto à minuta da Carta que foi apresentada na segunda-feira. Como não conseguiram a aprovação dos sunitas, tiveram mais três dias para negociações, mas insistem em dizer que cumpriram o prazo exigido para a entrega do rascunho e que a apresentação do texto exatamente como está e sem acordo não é ilegal.

O que se pretendia até ontem - e só um milagre fará acontecer hoje - era fazer os sunitas cederem quanto a suas principais objeções: o grupo rejeita o sistema federalista que se quer impor e as regras para a distribuição da receita obtida com o petróleo. Os sunitas também temem acabar sofrendo represálias já que, na ditadura de Saddam Hussein, eram eles quem oprimiam xiitas e curdos, que hoje são maioria no parlamento.

Basicamente temem que o federalismo possa fortalecer xiitas no Sul do Iraque e os curdos, no Norte, deixando sunitas espremidos no meio, sem poder e sem nenhum direito à receita do petróleo. Os dissidentes dos xiitas hoje apóiam os sunitas em suas objecões à minuta da constituição, especialmente no que diz respeito ao federalismo.

Xiitas e curdos que estão juntos apóiam essa forma de governo, descentralizada, justamente porque não querem correr o risco de viver uma outra ditadura.

Para tentar conter os ânimos, o primeiro-ministro iraquiano, Ibrahim Jaafari, que na quarta-feira pediu calma e o fim da violência entre os grupos rivais, preferiu elogiar ontem a rapidez com que o processo vem se desenvolvendo:

- Nenhuma constituição foi feita em circunstâncias como as que temos aqui e em tempo recorde. Mesmo que tenha havido um atraso, é compatível com os esforços para convencer nossos irmãos sunitas.

O bloco xiitas-curdos controlam, juntos, 221 dos 265 assentos no parlamento e são 60% da população. Para o referendo popular é preciso, em tese, que a maioria tome uma decisão, aprovando ou não a minuta da constituição. Mas, se dois terços de quaisquer três das 18 províncias iraquianas votar contra, o texto será considerado rejeitado.