Título: Corte de juros sai da geladeira
Autor: Lúcia Kassai, Silmara Cossolino e Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 26/08/2005, Economia & Negócios, p. A17

O Banco Central emitiu, enfim, sinais de que deve começar a afrouxar os juros em setembro, pela primeira vez em um ano e cinco meses. Desde maio, a Selic (taxa básica da economia e que remunera os títulos públicos) está fixada em 19,75% ao ano. A ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana passada eliminou um trecho recorrente nos últimos meses - ''perspectiva de manutenção da taxa por um período suficientemente longo'' -, o que foi interpretado por analistas do mercado financeiro como um sinal de corte de juros pela frente. No documento, o Copom visualiza um cenário positivo para a inflação futura, o que indica que será menos rígido no próximo encontro, possibilitando o início da trajetória de queda. O mercado aposta que a Selic caia 0,5 ponto percentual já no próximo mês, conforme a última pesquisa feita com 100 instituições financeiras pelo BC, o chamado boletim Focus.

Mas a mudança de trajetória não altera o cenário previsto para este ano. O crescimento da economia ficará no meio do caminho, como admitiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem.

- O resultado deste ano não será nenhuma Brastemp - disse, usando a referência ao antigo comercial de geladeiras.

Para Roberto Padovani, sócio da consultoria Tendências, os efeitos positivos de um alívio na taxa de juros só aparecerão no ano que vem.

- O processo de corte da Selic nos dá mais informações sobre o comportamento da economia em 2006 do que neste ano - avalia. - A confiança em um cenário positivo anima empresas e consumidores, mas o impacto na atividade demora mais a aparecer.

A expectativa oficial é de que o país cresça este ano 2,8%. Para o economista Kenneth Rogoff, professor da Universidade de Harvard e ex-chefe do Departamento Econômico do Fundo Monetário Internacional (FMI), que veio ao Brasil participar de seminário sobre derivativos, a expansão projetada do Produto Interno Bruto está muito aquém do que o país poderia obter.

- A previsão de aumento do PIB é desapontadora. Dadas as atuais condições econômicas e estruturais, o Brasil tem todas as condições de crescer 6% ou 7% - diz.

Para o especialista, a culpa é de questões estruturais, como leis trabalhistas arcaicas, gastos excessivos do governo e o que chamou de ''protecionismo'' no comércio internacional. Rogoff reconheceu, contudo, avanços como a nova Lei de Falências.

- Ainda assim, o país precisa reduzir sua dívida pública em relação ao PIB para adquirir grau de investimento e atrair mais capitais.

Mas a política monetária não passou ilesa no seminário. Para outro convidado, o economista americano Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times, já há espaço para a redução da taxa básica de juros sem risco em termos de inflação.

- Os riscos de ser agressivo nos cortes de juros não são iguais aos de anos atrás. Não estamos em uma situação em que o mercado vai dizer que vamos entrar num ciclo de hiperinflação - afirmou.

Krugman se disse surpreso com a última decisão do Copom, que em agosto manteve pelo terceiro mês seguido a taxa Selic.

- Não faz sentido manter juros nessas alturas. É inexplicável - criticou o economista.

Brasileiros presentes ao evento também não economizaram nas críticas às altas taxas de juros praticadas no país.

- Está aberta a porta para uma queda nas taxas no próximo mês. O desejável seria 0,5 ponto, mas acredito que o possível é de 0,25. Agora, juro não é o único mecanismo de controle inflacionário e, num cenário com taxas menores, haverá espaço para a utilização de outros instrumentos importantes (pelo governo) que podem ter efeito na demanda também - disse Paulo Leme, diretor de pesquisa de mercados emergentes do banco Goldman Sachs.

Como exemplo, ele defendeu a elevação do superávit primário de 4,25% para 5% do PIB, a redução do déficit da Previdência, a abertura comercial da economia e a correção da relação ''desequilibrada'' entre a política expansionista de crédito e a definição da taxa Selic. Nos últimos 12 meses, a oferta de crédito popular deu saltos acompanhando as taxas no mercado.