Título: ¿Sem disputa não há democracia¿
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, País, p. A2

O jornalista e ex-deputado federal Milton Temer se desligou do PT quando a senadora Heloísa Helena e os deputados federais Babá, Luciana Genro e João Fontes foram expulsos no fim de 2003. Depois de um trabalho hercúleo em busca das 438 mil assinaturas necessárias para fundar um novo partido, na quinta-feira será entregue no pedido de registro do P-Sol no TSE. Depois de militar no PCB nas décadas de 1960 e 1970, passar pelo PSB entre 1986 e 1988 e defender por quase 15 anos o PT, Temer é membro da Executiva Nacional Provisória do P-Sol e não tem medo das semelhanças com o ex-partido: ¿Se no futuro cometerem os mesmos erros do PT, fundo um novo P-Sol. Partido político não é igreja, partido é instrumento da razão, não é instrumento da fé¿.

O partido está usando os mesmos moldes usados pelo PT na sua fundação. Isso não pode levar o partido a cometer os mesmos erros do PT? ¿ O P-Sol está sendo fundado por pessoas que foram testadas e não se renderam a esse sistema. Se no futuro elas que assumirem o partido cometerem os mesmos erros e eu ainda estiver vivo, fundo um novo PSol. Partido político não é igreja, partido político é instrumento de razão, não é instrumento da fé.

Qual é o espaço político que o P-Sol pretende ocupar? ¿ É o partido que quer ocupar o espaço que a esquerda do PT simbolizava. Não é como o PSTU. O P-Sol é um partido de tendência, pois entendemos que existem diferenças e nuances que caracterizam ações permanentes de socialistas diferentes dentro do mesmo partido. O P-Sol hoje é composto dos que se denominavam da esquerda petista e outro setor que não aceitou o centralismo do PSTU.

Como o senhor analisa a democracia no Brasil? ¿ A democracia não se constrói com a falácia que está sendo proposta na reforma política, não se resolve com a diminuição de partidos. Temos de permitir que a sociedade se organize de acordo com suas linhas de pensamento. A reforma política, no molde de hoje, vai acabar com o espaço das minorias. Falamos isso com a autoridade de quem venceu todas as barreiras para se legalizar. A democracia hoje é vendida como uma paradigma no limite do sistema eleitoral. Democracia para nós é mais do que isso, é garantir espaços maiores de controle social direto e permanente sobre os aparelhos de estado.

Quais os objetivos do P-Sol? ¿ Estamos fundamentalmente preocupados em criar um canal de comunicação institucional para os movimentos sociais. Queremos no ano que vem lançar uma forte candidata à Presidência, que é a Heloísa Helena. Tenho a impressão que a campanha da Heloísa vai servir de pólo aglutinador das correntes de esquerda que ficaram estagnadas diante do governo Lula.

Apesar das divergências entre tendências, o P-Sol considera fundamental a unidade de ação. Isso não coloca em dúvida a conduta dos que foram expulsos do PT por votar contra posições majoritárias da sigla? ¿ Isso coloca em dúvida se no lugar da Heloísa Helena não era o Lula que tinha de sair. Porque a fidelidade não é partidária, e sim programática. Quem feriu isso foi o governo Lula e a Executiva que se tornou a parte mais conservadora do governo. Quem tinha de ser expulso era o Professor Luizinho, Paulo Rocha e João Paulo Cunha.

Como o senhor analisa a existência de oito tendências antes da fundação legal do partido? ¿ Considero extremamente saudáveis essas oito tendências porque a partir da divergência elas formam decisões consensuais. O fato de ter tendências foi o que deu força ao PT, que se enfraqueceu justamente quando foi dominado pelo campo majoritário. Se não tiver disputa interna não tem democracia.

A base do partido será de dissidentes do PT? ¿ Não estamos cercando os dissidentes do PT, nossa lógica não é nos construirmos a partir das dissidências do PT. Queremos ser o abrigo dos socialistas onde eles estiveram e de onde vierem. Queremos ser um partido socialista transformador reconhecendo a questão democrática como fundamental, não queremos ser um partido social democrata tradicional.

De qual forma os que não concordam com todos os preceitos podem se filiar? ¿ Estabelecemos a Legenda Democrática. Aqueles que estão em outros partidos, mas em consonância com alguns preceitos, não precisam ter compromisso nem com o programa nem com o estatuto. Para que tenham um ano para se solidarizar e ver se concordam com as propostas. É fundamental a Legenda Democrática para que o político possa se candidatar num partido em que se sinta bem.

Como se deu o processo de fundação? ¿ Ano passado pensava mais num plano B do que na legalização, isso por conta daquela idéia de que não havia base social, porque a CUT, MST e UNE estavam ainda subordinados ao governo. É milagroso que tenhamos conseguido em um ano mais de 700 mil assinaturas, das quais tivemos 458 mil certidões. Foi uma epopéia muito bonita que nasce de atos públicos realizados em todas as capitais. Isso num contexto de parquíssimos recursos materiais. Retomamos aquela história de banquinha na rua com boca de ferro para coletar as assinaturas.