Título: Desiludidos... e aguardados
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, País, p. A2

A queda-de-braço entre José Dirceu e Tarso Genro, muito mais do que uma disputa política dentro do PT, se transformou no símbolo do impasse que ameaça o futuro do partido. O cenário imediato é a provável saída de quase 20 deputados federais, desiludidos com os rumos da legenda e descrentes na força que o presidente interino ainda possa exibir para realizar a sonhada ¿refundação¿, com o retorno aos princípios e programas originais. Para quem sai, o problema é encontrar um partido ao mesmo tempo ético, progressista e não atrelado ao governo, que faça lembrar as propostas do PT do início dos anos 80. Para quem fica, como é o caso do senador Eduardo Suplicy, o desafio é mudar a face da legenda, hoje ainda muito influenciada pelo grupo encarnado por José Dirceu. E há ainda situações como a do senador Cristóvam Buarque, que deve sair, mas ¿ com mandato assegurado até 2010,¿ não está preocupado com um novo partido e sim em ajudar a construir um ¿movimento nacional por um país diferente¿.

Qualquer dos cenários representará uma sinuca de bico para o Planalto. Caso o campo majoritário perdure na direção, sem se preocupar em estabelecer um consenso real com as demais correntes, o governo terá de carregar nas costas o peso de uma agremiação desgastada e desmoralizada pela crise, ameaçada de sofrer uma derrota eleitoral inimaginável há alguns meses.

Na hipótese mais remota de vencer a tese da ¿refundação¿, com a influência maior dos grupos de esquerda e a conseqüente crítica à ortodoxia da política econômica, o presidente Lula correrá o risco de ver ameaçado o único pilar ainda capaz de barrar os já esboçados movimentos pelo impeachment.

Com a aproximação do ano eleitoral, ninguém pode perder o bonde. O castigo, para quem sair do PT, é ficar sem partido, caso não se decida por uma nova legenda até 2 de outubro. Para parlamentares que se confessam desiludidos, com poucas esperanças de permanecer, não é um problema de fácil resolução. Muitos estão na mesma situação da militância frustrada que vislumbra um horizonte sombrio.

A novidade é o intenso cortejo que mesmo parlamentares moderados, como o presidente da Comissão e Justiça da Câmara, Antonio Caros Biscaia, estão sofrendo por parte do P-Sol. Os convites surgem com uma espécie de dispensa da adesão imediata e absoluta a todos os estatutos e pontos programáticos:

¿ A senador Heloísa Helena me fez o convite de uma forma bem democrática. As pessoas podem ser admitidas sem que precisem jurar fidelidade aos dispositivos mais radicais. O interessado adere agora e discute os estatutos depois. Inicialmente refratário a uma possível entrada no P-Sol, em razão de alguns fundamentos demasiado radicais, Biscaia, assim como outros deputados convidados, já encara com mais simpatia a idéia. O deputado do Rio admite que a nova opção partidária, caso o quadro interno do PT não melhore, tem sido um quebra-cabeças difícil de enfrentar:

¿ Alguns partidos têm bons princípios mas dirigente difíceis de lidar. Há os que apresentam bons quadros em alguns Estados e problemas em outros. Há ainda partidos da base de apoio ao Planalto que insistem em ficar atrelados à máquina pública.

Mesmo quem está disposto a aderir ao P-Sol admite o problema representado pela linguagem repleta de categorias marxistas, de difícil absorção pelos segmentos mais empobrecidos, o que condenaria o novo partido a ficar circunscrito às camadas intelectualizadas. Chico Alencar, da ala esquerda do PT e provável futuro integrante do P-Sol, concorda que poderá ocorrer um problema de comunicação, mas não perde o bom humor:

¿ Vou sair da esquerda do PT para entrar na direita do P-Sol ¿ brinca. Alencar alerta que ainda não jogou a toalha e considera que as próximas semanas serão decisivas para o PT:

¿ O gesto de Tarso Genro pedindo que José Dirceu e todos os envolvidos na situação anterior não participem das próximas eleições internas no partido tem caráter simbólico. Dirceu, por exemplo, encarna o PT do desgaste, dos erros da cúpula. Mas mesmo que ele saia, o campo majoritário fica. Se isso significar o comando nas mãos dessa maioria atual, sem mudança de métodos, é quase impossível evitar a saída. Mas a insistência de Dirceu nos dá até mais forças para lutar.

A máquina do campo majoritário, até então imbatível, começa a fazer água. Chico Alencar afirma que uma das linhas de investigação para o dinheiro que apareceu na cueca de um militante aponta para a possibilidade de ter havido uma tentativa de ¿azeitar¿ a máquina, usando o caixa dois.

¿ O nosso lado também tem um problema. É o desencanto da militância que, além de não se sentir motivada para votar, não acredita mais na possibilidade de uma ressurreição ética.