Título: Telhado de vidro atrapalha atuação do Conselho
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, País, p. A8

Os 15 integrantes do Conselho de Ética da Câmara - incluindo o presidente, que vota em caso de empate - vão decidir o futuro político de um ex-ministro, presidentes de legenda, líderes e ex-líderes partidários e até de um ex-presidente da Casa, suspeitos de participarem do esquema do mensalão. Eles são indicados pelos partidos, mas têm mandato de dois anos, o que impossibilita a substituição. Mas não impede as pressões políticas, ideológicas e até as relações de amizade, o que pode pesar na hora da votação.

Vários titulares admitem constrangimento para julgar seus pares e preferem falar em ''cautela'', ''serenidade'' e ''bom senso''.

Com quatro mandatos, o peemedebista, Nelson Trad, não esconde o incômodo com a situação. Em raro momento de descontração, brinca, afirmando que, como botafoguense, está acostumado a sofrer. E reconhece que o desfile de lideranças políticas com chances de sentarem no banco dos réus complica o cenário e exige dos deputado uma conduta de cidadão, não apenas de político eleito.

- Temos de ter um senso de responsabilidade redobrado. Precisamos pensar na democracia e na República, não nos partidos.

Também cauteloso, o deputado Edmar Moreira (PL-MG) diz temer que a pressão possa acelerar os julgamentos. Por isso, considera fundamental que os processos sejam julgados com serenidade:

- Não pode ter constrangimento, são casos de falta de ética. Mas precisamos garantir que os iguais sejam tratados como iguais.

As influências partidárias ficam evidentes no caso da deputada Ann Pontes (PMDB-PA). Reconhecido pela capacidade de influenciar seus pares, o deputado Jader Barbalho é presidente o diretório paraense por onde Ann se elegeu. Ele tem forte relação com o ex-líder do partido na Câmara, José Borba. Foi Jader quem ajudou Borba, há dois meses, a redigir uma nota justificando um saque na agência do Banco Rural. O ex-líder do PMDB é um dos parlamentares que podem parar no Conselho e seu julgamento pode causar constrangimento a Ann:

- É evidente que as relações políticas poderão ter algum tipo de influência. Mas temos de lembrar que, ao sermos indicados para o Conselho, temos um mandato e uma responsabilidade.

Uma das mais ferrenhas defensoras do governo, a deputada Angela Guadagnin (PT-SP) tem usado dois pesos e duas medidas durante os depoimentos. No dia das explicações de Roberto Jefferson, por exemplo foi mais agressiva do que na ida do colega de partido, Dirceu. Sem esconder seu lado ''governista'', ela garante, no entanto, que atuará com isenção na hora da decisão:

- Defenderei sempre o nosso governo. Mas no momento dos interrogatórios, sempre tento manter a imparcialidade.

O tucano Carlos Sampaio admite ser difícil obter a imparcialidade completa, embora ressalte que é preciso persegui-la.

- No jogo político, é realmente muito difícil a imparcialidade completa. Mas é preciso clareza quanto à importância do momento. Cada deputado precisa agir como um magistrado - acrescentou.

Sampaio e Gustavo Fruet compõem a dobradinha tucana no Conselho. Como integrantes da oposição, estarão julgando parlamentares acusados de participação no esquema do mensalão. Terão à sua frente o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e, provavelmente, vários petistas. Fruet acha que a tendência oposicionista não vai pesar na hora de seu voto. E espera que esse momento passe logo.

- Não fui eleito para trabalhar em uma delegacia de polícia, fui eleito para legislar - reclamou Fruet, que já carrega no currículo o relatório que cassou o deputado André Luiz.

O petista Orlando Fantazzini também jura que as pressões, perseguições e punições impostas pelo Campo Majoritário à esquerda petista não vão inspirar um sentimento de vingança quando os processos contra Dirceu, João Paulo Cunha, Professor Luizinho e Paulo Rocha forem analisados.

- O voto aberto no Conselho vai nos salvar, teremos de mostrar os nossos atos. O perigo é o plenário, onde o voto será secreto.

Diz o ditado que quem tem telhado de vidro não joga pedra no vizinho. Isso deve explicar a cautela com que o Ciro Nogueira (PP-PI), que além de titular do Conselho é vice-presidente e Corregedor da Câmara tem agido durante os interrogatórios. Afilhado político de Severino Cavalcanti, Ciro sofre processo por por ter permitido que os apartamentos funcionais da Casa, de uso exclusivo de parlamentares em exercício, fossem ocupados por ex-deputados e funcionários. Também é criticado por praticar e defender o nepotismo . Segundo informações que correm nos corredores da Câmara, Ciro seria usado por Severino para comandar uma ''operação-abafa''.

No mesmo esforço para evitar cassações em cascata, atuaria o deputado Robson Tuma (PFL-SP). O pefelista teve seu nome envolvido com o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto há cinco anos durante as investigações sobre superfaturamento na construção do Tribunal Regional do Trabalho em SP.