Título: Recursos naturais chamam a atenção
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, Internacional, p. A12

Além da estratégia político-econômica, outras razões se delineiam para os Estados Unidos terem escolhido o Paraguai como parceiro na América do Sul e a base militar de Mariscal Estigarribia como local de estabelecimento de suas tropas. A instalação fica a 100 km do poço de gás natural Independencia 1, que se comunica no subterrâneo com as valiosas reservas de Tarija, na Bolívia. Além disso, descobriu-se que embaixo do gás paraguaio há um enorme lençol de petróleo enorme, ainda não avaliado.

- O conflito Ocidente-Oriente aprofundou objetivos de estratégia. Os EUA buscam controlar recursos renováveis e não-renováveis - adverte Carlos Pereyra Mele, do Centro de Estudos Estratégicos Sul-Americanos.

Washington e Assunção negam qualquer interesse nesse sentido, dentro do acordo de permissão de exercícios militares americanos. Mas chama a atenção também a proximidade do aqüífero Guarani, uma das maiores reservas de água doce do mundo, que cobre uma área de 1,2 milhão de km² na América do Sul. O Brasil abriga 70% do tesouro, 19% está na Argentina, 6% no Paraguai e 5% no Uruguai.

- O alerta é da ONU: daqui a 20 anos as guerras não serão mais por petróleo, mas por água - lembra Mele.

A presença militar americana em solo paraguaio não é permanente. Mas é renovável. E não agradou aos parceiros do Mercosul, principalmente Brasil e Argentina, embora estes não possam fazer nada para impedir.

- O Paraguai pode trazer os EUA para casa, porque é soberano. Mas na esfera de acordos de cooperação militar é de bom tom consultar os vizinhos do bloco. A situação é delicada - avalia Clóvis Brigagão, do Centro de Estudo das Américas.

Os países-membros do bloco do Cone Sul só poderiam levar a questão a órgãos internacionais, como a ONU ou a Organização dos Estados Americanos (OEA), se seu espaço aéreo ou terrestre fosse violado pelos ianques.

- A continuidade da missão americana vai depender principalmente da mobilização civil dos paraguaios. É dever do povo obrigar o presidente Nicanor Duarte a retificar a atitude - resume Mele.

Mas em pelo menos uma questão o Paraguai passou por cima da diplomacia. Mesmo sendo signatário do Tratado de Roma - que em 1998 relativizou o conceito de soberania para permitir que autores de crimes contra a humanidade fossem julgados por tribunais internacionais -, Assunção concedeu imunidade penal às tropas americanas. Isso significa que, caso os soldados pratiquem homicídio, genocídio ou outros delitos, estão livres de responder por eles no sistema judiciário local ou na Corte Penal Internacional, em Haia.

- Politicamente, é muito difícil os países do Tratado de Roma se reunirem para examinar uma punição ao Paraguai pelo descumprimento do acordo - lamenta Brigagão. (S.M.)