Título: Obras ficam no discurso
Autor: Fernando Exman
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, Economia & Negócios, p. A21
Além da crise política, parlamentares e empresários demonstram preocupação com a possibilidade de projetos do Executivo e a agenda do Congresso Nacional não avançarem em tempo hábil para que gargalos em setores como energia e transportes sejam solucionados, reduzidos ou ao menos evitados no atual governo. Exemplos de medidas que ainda não saíram do papel, apesar de consideradas prioritárias no discurso oficial, não faltam. Caso das Parcerias Público-Privadas (PPPs), das concessões de trechos de rodovias federais e do Projeto Piloto de Investimento (PPI), resultante de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que exclui do cálculo do superávit primário deste ano investimentos de R$ 2,6 bilhões na área de infra-estrutura. ¿ Na área de Transportes, não temos a sensação que a crise atrapalha os investimentos. Temos um plano definido ¿ declara o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio Passos.
Setores da iniciativa privada não demonstram a mesma despreocupação. O vice- presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib), Ralph Lima Terra, diz que não há percepção de que obras e projetos do Executivo em andamento tenham sido paralisados, total ou parcialmente, em função da atual crise política. Mas demonstrou preocupação com a possibilidade de a crise política atrasar ainda mais a implantação de projetos que ainda carecem de regulamentação.
¿ Mas já dá para preocupar muito ¿ afirma Lima Terra, citando o risco de racionamento de energia e de perda de competitividade dos setores exportadores, o que teria impacto na balança comercial brasileira.
O vice-presidente da Abdib suspeita que a tramitação de projetos na área de infra-estrutura pode perder agilidade porque um grande número de parlamentares está concentrado nos trabalhos das CPIs.
Um dos principais interlocutores da oposição, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), diverge. O parlamentar afirma que o Senado não deixará de votar projetos relevantes. E responsabiliza a falta de articulação e de iniciativa do governo pelo atraso na deliberação de matérias essenciais ao setor de infra-estrutura.
¿ O governo está parado há muito tempo ¿ acusa o tucano. No Legislativo, os principais pontos da agenda que interessam ao setor de infra-estrutura são as discussões sobre um modelo regulatório para o segmento de gás natural e as leis sobre as agências reguladoras e saneamento ambiental. Autor do projeto que cria um modelo para o setor de gás natural, o senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA) diz ter certeza que a conjuntura política será nociva à economia e, conseqüentemente, aos investimentos em infra-estrutura.
¿ Não tenho dúvida que essa crise política, com essa dimensão, atrapalha tudo. O diálogo fica difícil ¿ afirma.
Tourinho destaca que a regulamentação do setor de gás natural é urgente porque o Brasil necessita de termelétricas para evitar novos racionamentos de energia, uma vez que hidrelétricas levarão tempo demais para serem construídas e entrarem em operação. Segundo o senador, no passado ocorreu o mesmo problema, mas a diferença era que antes havia gás natural em maior abundância.
Ministro de Minas e Energia no governo passado, Tourinho defende também a rápida aprovação da lei das agências reguladoras, parada na Câmara dos Deputados, para que um ambiente regulatório positivo seja criado e atraia investimentos privados à 7ª rodada de licitação de petróleo.
O Poder Executivo tem a tarefa de realizar neste ano leilões de energia velha e nova. O desfecho desses eventos demonstrará o grau de sucesso do novo modelo do setor elétrico e, conseqüentemente, na concretização ou afastamento do risco de racionamentos. O presidente da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica (CBIEE), Cláudio Sales, considera que os leilões de energia não vinham obtendo êxito, mesmo antes da crise, pois não atingiriam seu objetivo: que as distribuidoras contratassem toda a energia demandada nos próximos anos.
¿ Quando se trata de investimentos de longo prazo, que precisam de um ambiente regulatório estável, uma perturbação política dessa ordem traz uma preocupação adicional ¿ diz o presidente da CBIEE.
Sales estima que são necessários aproximadamente R$ 20 bilhões em investimentos em geração, transmissão e distribuição de energia. Segundo ele, mais da metade dos aportes deve ser feito pela iniciativa privada. Outra preocupação é a possibilidade de a crise afetar a eficiência das empresas estatais, que investem de forma independente e em parceria com grupos privados.