Título: Tão longe, tão perto
Autor: Carlos Helí de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, Caderno B, p. B1

Costuma-se dizer que ser regional é a melhor maneira de alcançar o universal. Pois ao abraçar a carreira internacional, o paulista Fernando Meirelles e o carioca Walter Salles põem à prova a validade da regra em seu sentido inverso: pode um diretor brasileiro deixar de sê-lo ao fazer um filme estrangeiro? Meirelles, que depois de lançar nos Estados Unidos O jardineiro fiel, seu primeiro filme falado em inglês, vai mostrar a nova cria no Festival de Veneza, no dia 9 de setembro, acredita numa variante cinematográfica da máxima rodriguiana: é possível tirar um cineasta do Brasil, mas é impossível tirar o Brasil de um cineasta.

- Você aceita dirigir um roteiro quando já há alguma identificação com a história, quando ela tem algo que lhe diz respeito. Cada escolha que se faz é uma impressão que você vai deixando no filme e, nessa profissão, são centenas de escolhas que devem ser feitas todos os dias. Você faz escolhas de acordo com a sua bagagem, com seu olhar e, por isso, deixa um pouco da sua cara ali - afirma o autor de Cidade de Deus (2003), filme que lhe valeu o passaporte para o cinema feito além de nossas fronteiras.

Quem já viu O jardineiro fiel (adaptação do romance homônimo de John Le Caré ambientada nas favelas do Quênia, encomendada pela distribuidora inglesa Focus Features, braço independente da Universal) enxerga o dedo de Meirelles na forma como ele aborda os personagens e no movimento nervoso da câmera.

O reconhecimento de rubricas é mais difícil em Água negra, o primeiro filme falado em inglês e a segunda produção estrangeira dirigida por Walter Salles - a primeira foi Diários de motocicleta (2004), financiada por um consórcio de sete países e falada em espanhol.

Diferentemente do road movie que refaz a viagem iniciática do jovem Che Guevara pela América do Sul no início dos anos 50, a assinatura de Salles é menos perceptível em no remake americano de um filme de terror japonês de sucesso. O thriller psicológico, em cartaz no Rio, mantém uma certa distância do universo temático e do estilo narrativo do autor de Central do Brasil (1998). É um filme que qualquer outro cineasta com sensibilidade e bom gosto poderia ter assinado.

Segundo Salles, o nível de envolvimento de um diretor contratado com um filme de encomenda está diretamente relacionado à natureza do projeto: Diários nasceu como produção independente, acalentada pelo ator e produtor Robert Redford; Água negra também era indie, até que os investidores originais caíram fora e a distribuidora do filme, a Buena Vista International, assumiu o financiamento da produção.

- Cada projeto é um caso diferente. Por mais que eu fosse apaixonado pelo livro que deu origem a Diários de motocicleta, eu não teria dirigido o filme se o Robert Redford, que tinha a mesma relação com o livro, não me tivesse feito o convite para assumir a direção. Por causa das condições em que ele foi realizado, Diários virou uma extensão de um projeto iniciado por Redford e que, para mim, é uma espécie de prolongamento de Terra estrangeira e de Central do Brasil, que também exploram a questão da identidade. Diários fala de uma identidade mais ampla, que é a latino-americana - explica Salles.