Título: Palocci foi exemplar
Autor: Aristóteles Drummond
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, Opinião, p. D2

Foi um show de competência, de transparência, dignidade e habilidade o pronunciamento do ministro Antonio Palocci, que devolveu tranqüilidade aos mercados e manteve a credibilidade do Brasil. Não há como se negar os méritos do presidente Lula que tem enfrentado pressões dos gastadores ou sonhadores, mantendo seu leal e eficiente ministro da Fazenda.

Esta é a postura que se esperava do deputado José Dirceu. Que, pelo contrário, não dá entrevista coletiva e muito menos explica essa confusão toda em que ele é o centro e na qual parece estar comprometido até a alma.

O presidente Lula, apesar do envolvimento de pessoas de seu círculo mais chegado - alguns errando de boa fé -, está acima de suspeições que possam atingir um final de mandato sem traumas. Sente-se que a oposição, mesmo a mais severa, respeita o presidente, sua postura e patriotismo. É preciso separar a apuração severa das denúncias de interesses políticos, eleitorais ou partidários.

Urge a reforma política, nos prazos legais para que possa entrar em vigor nas próximas eleições, começando pelo voto distrital misto já previsto na Constituição. Melhorar a campanha, limitando a influência do poder econômico, mas sem financiamento público, que afronta a população que não recebe serviços públicos essenciais, como saúde, a contento.

As CPIs devem ser prestigiadas e o governo precisa orientar suas bancadas a não obstacular convocações, como vem ocorrendo, contrariando tudo o que diz e defende o presidente. Assim, o país retoma a normalidade de sua vida política e administrativa e, acima de partidos, os envolvidos de maneira mais clara podem ser punidos. O Parlamento deve esta satisfação ao povo brasileiro.

Na verdade, apesar do natural crescimento de acusações, denúncias e especulações, é preciso um mínimo de objetividade para que algum resultado seja obtido em termos concretos - a começar pela votação dos processos de cassação de mandatos. Os fundos de pensão precisam ter seus investimentos confiados a grandes organizações do mercado, ou sofrerem uma auditoria permanente, por empresa de nível internacional. Não se pode mais permitir dúvidas quanto ao rigor no trato de recursos públicos.

É o momento de se tratar da ética no Ministério Público e no vazamento de informações para a imprensa. O ministro Antonio Palocci tem toda razão quando estranha (e condena) o açodamento com que o procurador do Ministério Público de São Paulo divulgou depoimentos em que era citado. E mais, até a Polícia Federal deixa vazar depoimentos, que nem sempre correspondem à verdade. Prejulgar ou expor alguém sob investigação é afrontar os direitos do cidadão. A imprensa nem sempre tem sido cuidadosa na divulgação de fatos.

Uma postura como a do ministro da Fazenda, colocando-se sempre pronto a dirimir dúvidas, mesmo em absurdos como a ordem de comprar aparelhos de escuta telefônica, abre caminho para um noticiário mais correto. Quem foge do esclarecimento, corre o risco de ver publicada inverdade.

A entrevista de Palocci foi um tento, que deve servir de exemplo. A busca da normalidade passa a depender do trato menos emocional da crise, que deve ser encarada mais como ética e moral do que política. Na verdade, o PT, sendo o partido do governo e de uma tradição moralista, aparece em primeiro lugar. Mas, pelo visto, quase todos os partidos, seus membros, incluindo prefeitos, de certa forma são atingidos por esta série de escândalos. Logo, não adianta a guerra de uns contra os outros, mas de todos pela apuração. Faz-se necessário a criação de mecanismos que resguarde o interesse público daqui para frente.

Os tucanos não devem ficar tão satisfeitos com a crise . Afinal muita coisa sendo revista, alcançará, fatalmente, o mandato anterior. É preciso, portanto, responsabilidade e espírito público. Explorar eventuais falhas na gestão de Palocci em Ribeirão Preto é jogar contra o interesse nacional. O que vale é o desempenho no governo Lula .

Nas crises é que se avança. E com uma crise deste tamanho, é a oportunidade de se avançar na legislação e nas práticas quanto ao trato da coisa pública e aos critérios para ocupação de cargos de confiança.

Vale sempre lembrar Roberto Campos, que afirmava que quanto menor fosse o Estado, menos corrupção e dificuldades para quem deseja trabalhar, prosperar e vencer. O Estado tem mesmo é que se ocupar, efetivamente, do social. E não do empresarial.