Título: Voto secreto estimula a pizza
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 29/08/2005, País, p. A3

A aprovação, no Conselho de Ética da Câmara, do pedido de cassação dos deputados envolvidos no esquema do mensalão, não significa que o fantasma da impunidade esteja descartado. O Conselho de Ética é composto, em sua maioria, por parlamentares com formação específica, dispostos a defender o regimento. Além disso, o voto é aberto: cada parlamentar tem que dizer, ao vivo, se apóia ou não a cassação. A verdadeira batalha será travada no plenário. O relatório de cassação precisa ser aprovado por 257 votos, secretos, num ambiente heterogêneo, influenciável e muito mais suscetível a favores, pressões ou ameaças. - Se a sociedade não estiver atenta, e a imprensa não pressionar, o plenário é o forno ideal para se assar a pizza da impunidade - alertou o deputado Orlando Fantazzini (PT-SP).

O receio do petista é justificável. A elite parlamentar estará sendo julgada pelos seus pares. Serão líderes, presidentes de partido, ex-ministros. Em maio deste ano, um deputado do baixo clero, o ex-peemedebista fluminense André Luiz, enfrentou o mesmo tipo de julgamento. Ele nunca foi líder de nada na Câmara. Jamais apresentou um grande projeto, não subia à tribuna, fez uma defesa pífia e claudicante em discurso na noite de votação de sua cassação. Foi cassado por 311 votos - apenas 54 a mais do que o necessário. André Luiz, que teve sua voz gravada em fita tentando extorquir o advogado do bicheiro Carlinhos Cachoeira, teve 104 votos favoráveis à sua permanência na Câmara.

- Tem um grupo de deputados que jamais vai cassar um companheiro de legislativo. Argumentam que a perda do mandato deve ser decidida pela população, nas urnas - lembra o líder da minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA).

O pefelista ainda acha prematuro falar em degolas ou operações resgate. Lembra que os processos ainda serão longos e, entre todos os cassáveis, apenas Roberto Jefferson (PTB-RJ) e José Dirceu (PT-SP), foram ouvidos. Aleluia acredita, no entanto, que dificilmente a Câmara vai preservar aqueles que realmente tiverem quebrado o decoro parlamentar.

- Não vejo chance, principalmente por estarmos próximos de um ano eleitoral. A pressão da sociedade vai pesar contra os acusados.

A exigência de que o processo de cassação de um parlamentar seja definido em voto secreto está expressa na Constituição Federal. Em setembro de 1992, a Câmara votaria a abertura do processo de impeachment contra o então presidente Fernando Collor de Melo. Por ser um tipo de julgamento diferente - Collor não era parlamentar, não era acusado de quebra de decoro e sim, de crime de responsabilidade - havia dúvidas se a votação deveria ser secreta ou aberta. Uma consulta a especialistas mostrou que as duas alternativas seriam permitidas. O então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), decidiu pela votação aberta.

- O voto secreto facilita para que as pessoas não assumam suas posições - reconhece o presidente da Comissão de Constituição e Justiça na Câmara, Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ).

Biscaia promete romper este anonimato. A exemplo da noite de cassação de André Luiz, quando se inscreveu para explicar porque votaria a favor do relatório do deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), Biscaia confirma que vai discursar na tribuna sempre que estiver convicto de que o acusado quebrou o decoro.

- Não vou adiantar o voto. Mas a maioria, na minha visão, infringiu os códigos éticos da Casa, afirmou o presidente da Comissão.

Vice-líder do PSDB e integgrante da CPI dos Correios, o deputado Eduardo Paes (RJ), confirma que deve haver um corte no plenário. Para ele, esse movimento significará uma gradação de valores, posições e, influências.

- Mas é tudo especulação - esquiva-se Paes.

Há quem esteja preocupado não apenas com o futuro dos atuais cassáveis, mas com os rumos da própria instituição. Há o temor de que, se o corte não for profundo, seja aberto um precedente para que outros dêem a mesma desculpa: pegam dinheiro fruto de corrupção e afirmam que é para pagar dívidas eleitorais:

- Espero que não tenhamos que passar vergonha perante a sociedade - reconhece um parlamentar fluminense.

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) é o relator do processo de cassação de José Dirceu (PT-SP). Para ele, o relatório do deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), que pede a cassação de Roberto Jefferson (PTB-RJ) e será lido hoje no Conselho de Ética, servirá como o grande balizador desta onda de cassações. Delgado acha que os sinais políticos claros serão dados nos votos governistas e da oposição. Mas admite que o plenário será decisivo.

- Não adianta nada o Conselho de Ética trabalhar feito louco e o plenário derrubar tudo.

O deputado do PSB acredita que a Câmara precisa de uma chacoalhada geral. E que absolvições em série poderão provocar algo muito nocivo ao legislativo.

- Não importa se estamos falando de mensalão, dívidas eleitorais ou caixa dois. Algo muito grave aconteceu, não podemos fechar os olhos - cobra Delgado.