Título: O odor da impaciência
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 29/08/2005, Opinião, p. A8

Mais do que um incômodo cheiro de pizza exalando dos gabinetes de Brasília, fruto de acordos de bastidores que turvam as investigações no Congresso, espalha-se de maneira perturbadora o odor da impaciência. A velocidade com que as denúncias surgem, a extensão dos trabalhos, as múltiplas trilhas seguidas pelas CPIs em curso, o diversionismo dos investigados e o exibicionismo dos inquisidores sugerem uma situação inquietante: dificilmente o Parlamento brasileiro cumprirá o que o cidadão de bem espera - cadeia para quem surrupia o dinheiro público e cassação de mandatos para os padrinhos dos saques, sob o manto protetor das relações palacianas. A despeito das boas intenções de muitos dos integrantes das comissões de inquérito, além das monumentais descobertas exibidas até aqui, fica cada vez mais evidente que, se depender do Congresso, os envolvidos num dos mais ruidosos esquemas de negócios montados dentro do Estado vão livrar-se de punições mais severas - não por inanição dos trabalhos, mas por excesso de gordura a ser eliminada. Afinal, a fogueira das investigações se dispersa de tal maneira que seu conteúdo perde a capacidade de alimentá-la - e a indignação nacional é carbonizada por novas frentes de denúncias. Um rumo estranho. O país tem construído, assim, uma história estratificada na qual camadas podres são recobertas e protegidas pelo escândalo seguinte.

Contra o paroxismo das CPIs devem atentar-se a mídia e a opinião pública, balizadas por um inconformismo imprescindível para evitar que a impunidade prevaleça mais uma vez.

Manobras do gênero, infelizmente, integram o arsenal de malandragens promovidas por grupelhos de parlamentares - capazes de alimentar a desconfiança generalizada entre cidadãos. A história justifica o avanço da suspeita. Embora tenha levado dez parlamentares à cassação, a CPI do Orçamento - para ficar num só exemplo - deixou, em 1994, oito nomes livres de punição em decorrência de um acordo entre partidos. Dessa vez, argumenta-se que o avanço das investigações pode levar a uma situação de descontrole institucional, com uma conseqüente taquicardia na economia.

Bobagem. O notável desempenho do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na resposta a denúncias de seu ex-assessor, somado à sustentação de que nada muda na condução da política econômica, asseguram o passo firme, suficiente para que o país enfrente com vigor as descobertas mais escabrosas do mundo do poder. Ademais, a Polícia Federal e o Ministério Público cumprem suas tarefas com admirável serenidade. A imprensa e o Parlamento funcionam sem qualquer inibição. Grupos se manifestam - nas praças e nos jornais - sem que a normalidade seja afetada. O governo depara-se com um enfraquecimento político sem precedentes. As instituições, não.

O único risco existente, insista-se, é a desmoralização dos gerentes da anemia encomendada, da qual padece a confusão de CPIs. Estas poderiam se ter tornado o maior instrumento de faxina já visto na República. Hoje, no entanto, são vistas como um atalho arriscado para a celebração da impunidade. No terreno fértil do empolamento das investigações, fala-se muito, pouco se explica. Um soco num país à espera de explicações e cansado de retóricas.