Título: Carta aos congressistas honestos
Autor: Ubiratan Iorio*
Fonte: Jornal do Brasil, 29/08/2005, Outras Opiniões, p. A9

Dirijo-me a Vossas Excelências do alto de minha condição de brasileiro, que vive percorrendo o país dando aulas e palestras em minha especialidade, a Economia, para poder sustentar a minha família e proporcionar a ela um padrão de vida digno, embora sem qualquer luxo, o que tem exigido de mim cada vez mais horas de trabalho e cansativas viagens, dado que considerável parcela de meus honorários esvai-se para pagar os esfoladores tributos que pesam sobre meus ombros e os de meus concidadãos. Pago um plano de saúde privado, porque não confio nem um pouco na saúde pública; contribuo também para um plano de previdência privada, já que não pretendo passar minha velhice - que ainda está longe - vivendo como mendigo e sendo desrespeitado; paguei a educação de meus filhos em escolas privadas, porque as públicas não merecem confiança; vivo no Rio de Janeiro sob fortes emoções, porque em cada sinal em que sou obrigado a parar o meu carro tenho que olhar para frente, para trás, para a esquerda e para a direita, na angustiante expectativa de surgirem assaltantes; já tive três pneus estourados nos buracos que vicejam nas vias públicas como tiriricas em jardins. E ainda sou considerado parte de uma pretensa ''elite'', por nosso presidente e por inúmeros esquerdopatas, apesar de meus pais, quando vieram ao mundo, também terem chegado na condição de ''analfabetos'' e apesar de, com muita luta e após milhares de horas com o traseiro em cadeiras freqüentando aulas e estudando, ter conseguido um doutoramento em Economia na FGV, a melhor escola do país, tudo às custas de concursos e de muito esforço, de meus pais, de mim e da minha família, a quem privei de muitas horas de convívio. Se milhões de brasileiros não tiveram condições ou não se esforçaram para chegar aonde cheguei, não tenho culpa por isso, pois sempre paguei meus impostos em dia.

Por isso, e pelos lamentáveis fatos que vêm ocorrendo no Brasil, que apontam para uma corrupção jamais vista, por seus valores monetários, por sua petulância e também por seu escuso propósito de perpetuar no poder seus atuais detentores, dirijo-me aos senhores, senadores e deputados honrados, honestos e patriotas, de todos os partidos e doutrinas políticas. Não tenho como saber ao certo quantos os senhores são, mas quero acreditar que sejam em número maior do que a população acredita, desde os motoristas de táxis, até os professores e profissionais liberais, desde os da ''elite'' até o ''povão'', para usar essa dialética surrada e desagregadora, que manda às favas qualquer princípio de fraternidade. Aos congressistas sem honra, desonestos e que se colocam acima dos interesses do país - e que espero sejam em menor número do que imagina atualmente o povo - deixo o meu desprezo e a lembrança do enorme peso que assombrará eternamente suas consciências, nesta vida e quando a deixarem.

Senhores congressistas de bem, comprometidos com o Brasil de nossas aspirações, o amanhã do ''país do futuro'' está, mais do que nunca, nas mãos de Vossas Excelências! Nosso trabalho e suor, nossas vidas e famílias, nossos projetos e sonhos de que possa emergir, de toda a lama provocada por seus maus colegas, uma nação na qual possamos acreditar, tal como meus ancestrais calabreses o fizeram ao virem para cá. As pessoas de bem - todas, sem exceção, e que representam a maioria da população - exigem dos senhores, neste momento turbulento, que toda essa bandalheira seja esclarecida ponto por ponto, corrupto por corrupto, responsável por responsável, centavo público por centavo público, até o fim, sem acordos espúrios ou arranjos incestuosos para encobrirem culpas de quem quer que seja. Exigem uma reforma política profunda, que possa acabar com essas práticas. Exigem, sobretudo, patriotismo. Ainda queremos confiar nos senhores.. Pelo amor de Deus, não nos desapontem!

*Ubiratan Iorio (lettere@ubirataniorio.org) é presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep) e escreve às segundas nesta página