Título: Garfada no eleitor
Autor: Sérgio Moura
Fonte: Jornal do Brasil, 29/08/2005, Outras Opiniões, p. A9

O projeto-de-lei de reforma política aprovado no Senado é mais uma garfada no eleitor. Já não basta sermos empulhados com deputados e senadores que nunca elegemos. Agora, a decisão do Senado é contra os interesses do povo e a favor dos privilégios dos caciques dos maiores partidos. As decisões contidas no referido projeto, com exceção do aumento de penas para delitos eleitorais, talvez meritório, se dividem em duas categorias: 1) censura da informação sobre os candidatos; 2) castração da criatividade na comunicação.

Na censura da informação sobre os candidatos constam as seguintes agressões ao eleitor: redução de 1/3 no período de campanha, redução de 10 dias no período de propaganda gratuita, proibição de divulgação de pesquisas 15 dias antes das eleições.

O princípio estabelecido pela descabida proposta, de que o eleitor deve ter menos informações sobre os candidatos, é ridículo. Oitenta por cento do universo de eleitores que votam em candidatos querem dar o que acham ser o melhor voto, preocupam-se em conhecer as propostas dos concorrentes, e têm o direito constitucional de melhor conhecerem seus candidatos a representantes nas assembléias e nos cargos executivos.

A propaganda gratuita, por outro lado, é uma reserva de mercado dos donos dos partidos, sustentada pelos impostos de todos os eleitores. Os partidos dão mais tempo aos candidatos proporcionais veteranos, em detrimento dos iniciantes. Os candidatos dos partidos maiores têm mais tempo que os dos partidos menores. Além disso, um eleitor de um candidato não deveria ser obrigado a pagar as despesas de campanha de outro. Se a Câmara dos Deputados aprovar as censuras contidas nessas decisões, teremos duas conseqüências para a democracia representativa: privilegiamos os caciques partidários, por serem mais conhecidos, e impedimos o aparecimento de novos líderes políticos, e de propostas inovadoras, para alcançarmos a prosperidade do povo, com a qual os caciques não se preocupam.

As soluções que respeitariam os eleitores, ao invés de privilegiarem os caciques políticos, são: 1) extinguir quaisquer limites para a duração da campanha eleitoral e revogar a obrigação de filiação partidária para candidatura. Essa é a melhor maneira de estimular novos líderes a buscarem o apoio do povo para representá-lo, o que vai acabar com um dos grandes problemas do nosso sistema político, a venda de legenda; 2) acabar com a propaganda gratuita: um candidato é um voluntário, e voluntário arca com o ônus da sua iniciativa. Nenhum de nós deve ser obrigado, como é hoje, a pagar campanha de quem quer que se apresente como candidato; 3) permitir a realização de pesquisa a qualquer momento. Numa sociedade democrática, não existe argumento lógico que sustente ser melhor o eleitor ter menos informação sobre as intenções de voto.

Com a castração da criatividade na comunicação (veiculação apenas de programas de televisão insossos, proibição de se transmitir alegria nos comícios e de distribuir bonés com o nome do candidato), vemos que os caciques não admitem que iniciantes possam descobrir formas inteligentes de fazer com que o eleitor preste atenção nas suas mensagens. Isso é um míssil contra todos os preceitos que trazem prosperidade a uma sociedade. Eles acham que, quanto menos criativos e menos comunicativos os candidatos forem, mais sucesso terão. Se um indivíduo se voluntaria a dizer para o povo que quer cuidar dos interesses desse povo, a esse indivíduo deve ser garantido o direito de transmitir sua mensagem com um único filtro: onde começa o direito de um, termina o do outro. Nada de castração.

Demoramos 13 anos para descobrir que a reserva de mercado na informática prejudicou a prosperidade de muita gente. A reserva de mercado na política vige desde 1988, já lá se vão 17 anos. Quanta riqueza deixamos de criar nesse período, por não fazermos as reformas que atendem aos anseios dos eleitores ao invés das conveniências dos caciques.