Título: Relações comerciais Brasil-China
Autor: J. Carlos Racy*
Fonte: Jornal do Brasil, 29/08/2005, Economia & Negócios, p. A18

No momento em que as tensões comerciais com a China aumentam, a aproximação brasileira com aquele país oferece sensações contraditórias. Para citar um exemplo, o déficit do Brasil no ramo têxtil passou de US$ 111,8 milhões em 2003 para US$ 219,1 milhões no ano passado. Estados Unidos, Argentina e Turquia já regulamentaram mecanismos internos de salvaguarda. O Brasil aguarda para decidir. Pensando à moda ocidental, a intenção da China ao negociar com o Brasil é, a longo prazo, desenvolver certos setores de infra-estrutura e de tecnologia e, a curto, abrir o mercado brasileiro para seus produtos manufaturados, transformando-o numa plataforma de exportação para a América do Sul ou a América Latina em geral.

Os objetivos do Brasil nessas negociações são semelhantes: a curto prazo, abrir mais espaço para a produção brasileira de manufaturados no mercado chinês; a longo prazo, integrar-se ao o desenvolvimento dos setores de infra-estrutura e tecnologia na China, mais identificados com os interesses brasileiros. Obviamente, as pretensões do Brasil incluíam a expansão de suas relações econômicas no continente asiático a partir daquele país, apesar de todas as dificuldades para essa expansão.

Ao que parece, ao longo dessas tratativas - que incluíram visitas presidenciais nos dois países ¿ o maior problema enfrentado pelos negociadores brasileiros foi a desconsideração do que faz parte do modo chinês de agir e pensar a relação com o outro. Para os chineses, negociações internacionais são sempre expressão de guerra. Nesse caso, é obrigatório lembrar das máximas de Sun Tzu, essenciais, para o sucesso do entendimento entre Brasil e China e seus desdobramentos futuros.

Os princípios de Sun Tzu explicam tanto o relativo insucesso do Brasil nessa negociação como indica caminhos para novos desdobramentos desse processo:

1) Conhecer a si e ao outro ¿ auto-explicativa da situação.

2) As alianças só são possíveis se conhecemos os parceiros ¿ conseqüência da máxima anterior.

3) Antecipação ¿ a capacidade de prever ações e reações que parece ter sido esquecida pelos brasileiros.

4) Capacidade tática a partir da observação das condições reais ¿ o erro é prestar mais atenção nos ataques do inimigo do que na nossa capacidade de nos defendermos.

5) Tomar a iniciativa sempre ¿ em alguns momentos isso não aconteceu e não acontece por parte do Brasil, tendo como motivo muitas vezes a próxima máxima.

6) Harmonia no estado e no exército para uma boa luta.

7) Desinformar ou não dar ao inimigo a chance de conhecer o oponente ¿ o que muitas vezes, até mesmo por certa ingenuidade ou idealismo, acontece com o Brasil no cenário internacional.

Na realidade, o que se pode tirar como lição de tudo isso é que, para fazer valer seus interesses, o Brasil precisa negociar com os chineses como estes negociam com o Brasil e com o resto do mundo, isto é, com muita cautela, paciência e persistência. É importante ressalvar que isso não significa imobilismo. Se o Brasil necessita do mercado chinês, que pressione o governo daquele país e envolva os atores daquela sociedade identificados com os interesses em jogo para o relaxamento de suas restrições.

Se o Brasil precisa de uma base para expandir suas atividades econômicas para a região, que afirme, de fato, suas intenções e, se preciso, jogue de verdade com fortes parceiros alternativos. Pois a máxima da antecipação preconizada por Sun Tzu não se refere só à razão, mas fundamentalmente à ação.

* Mestre em história da política externa brasileira, professor da Faculdade de Economia da Universidade Mackenzie e consultor para cooperação técnica internacional.