Título: A história engoliu o manifesto do PT
Autor: ANA MARIA TAHAN
Fonte: Jornal do Brasil, 30/08/2005, País, p. A2

A desistência do gaúcho Tarso Genro da disputa pelo comando do PT e sua substituição por Ricardo Berzoini na chapa da tendência Campo Majoritário - controlada pelo ex-ministro e deputado José Dirceu - não resolvem nem apontam o caminho para o fim do impasse petista. Afinal, são sete os que ambicionam dirigir os destinos da sigla pelos próximos dois anos. E cada um deles arvora-se como o salvador de uma legenda atolada no lamaçal de denúncias de corrupção, pagamento de mensalão, tráfico de influência, recebimento e distribuição de propinas a apaniguados, negócios escusos, empréstimos duvidosos, malversação de dinheiro público. Um cipoal de negócios que, se estiverem certos cientistas políticos e pesquisadores, levará o PT à bancarrota nas urnas de 2006. Nada contra quem se dispõe a cumprir missão tão espinhosa nem dúvida paire sobre as boas intenções de cada um. Talvez valesse a pena uma volta ao passado para repensar e planejar o futuro. Em fevereiro de 1980, perto de 700 sindicalistas, intelectuais e profissionais das mais variados especializações e católicos mais à esquerda reuniram-se no Colégio Sion - educandário que formou parcela ponderável da elite paulistana, Marta Suplicy entre os ex-alunos - no bairro de Higienópolis em São Paulo para oficializar o Movimento Pró-PT. Ali, aprovaram o manifesto de lançamento do partido, publicado no Diário Oficial da União em 21 de outubro daquele ano.

Com 82 linhas, iniciava justificando o nascimento: "O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá." Mais à frente, destrinchava: "O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados. Nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política".

O país ainda batia continência para um general-presidente naquela época. O bi-partidarismo havia sido extinto recentemente. Outras siglas também engatinhavam. Sonhavam todos com a primeira eleição direta para governos estaduais marcada para dali a dois anos. O Partido dos Trabalhadores entrava na vida política - palavra repetida nove vezes no manifesto - disposto a avançar nas urnas. "O PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social", apregoava o documento depois de, entre outros itens, ressaltar que se propunha a lutar "por sindicatos independentes do Estado, como também dos próprios partidos políticos".

As sucessivas campanhas desde então, a Constituinte de 1988, os avanços e recuos do Brasil político e econômico e a conquista do poder foram transformando o PT. Em certo sentido, as alterações de rota são naturais e louváveis. Em outras, não se justificam ainda hoje. Entre o manifesto e o Planalto, o PT se perdeu. Para um partido em busca da identidade, a hora é boa para reler o texto que o anunciou à Nação há 25 anos. E, antes de escolher um outro presidente nacional, ditar um novo documento, diretriz ou resolução que aponte aos 8 mil filiados as estradas e os limites do futuro. Para evitar tantos desvios. E compromissos não cumpridos.