Título: Saques coincidem com votações importantes
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 30/08/2005, País, p. A4

Se os integrantes das CPIs até agora afirmam não ter provas suficientes para constatar a existência do mensalão, já há dados e números que apontam claramente para a existência de retiradas periódicas vinculadas a votações de interesse do governo. Há também evidências de que o pagamento era feito em pelo menos quatro hotéis de Brasília. Levantamento feito pelo gabinete do deputado Júlio Redecker (PSDB-RS) mostra que existe esta coincidência ao serem analisados os saques nas contas de Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser um dos operadores do mensalão. Nos meses em que ocorreram a aprovação das reformas tributária, da Previdência e da Lei das Falências - entre agosto e outubro de 2003 - parlamentares do PL receberam R$ 4 milhões, do PMDB R$ 500 mil, do PP R$ 1 milhão, do PTB R$ 600 mil e do PT, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, R$ 3,7 milhões (veja gráfico). No total, foram repassados para partidos da base governista, incluindo o PT, nesse período R$ 9,9 milhões.

A reforma tributária, por exemplo, foi aprovada em dois turnos na Câmara, em 17 e 24 de setembro, por 346 a 92 - 38 votos a mais do que o necessário. No PP, partido agraciado com R$ 1 milhão justamente naquele mês, apenas 3 deputados votaram contra.

No período de maior concentração de votações de interesse do governo no Congresso em 2004 - entre os meses de janeiro e maio - R$ 9,6 milhões irrigaram as contas de parlamentares dos partidos da base governista. O PL recebeu R$ 2,3 milhões, o PP R$ 2,1 milhões, o PT R$ 3,7 milhões e o PTB R$ 1,5 milhão. O mês de julho, auge da campanha municipal do ano passado, também registrou um volume expressivo de repasses: R$ 10,5 milhões - R$ 5 milhões para o PTB, R$ 2,5 milhões para o PT, R$ 2 milhões para o PP e R$ 1 milhão para o PMDB.

Segundo o levantamento, em 2003 e 2004, depois do PT, o PL, do ex-deputado Valdemar Costa Neto, foi o mais agraciado: recebeu R$ 12,2 milhões, o equivalente a 4% do total de R$ 59,8 milhões repassados a partidos. Em seguida aparecem o PTB (R$ 7,818 milhões) e PL (R 7,800 milhões). Para a pesquisa, foram considerados os R$ 4 milhões declarados pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) como pagamento de dívida de campanha.

O pagamento do mensalão foi detalhado pela secretária Fernanda Karina Somaggio - que trabalhou para Marcos Valério - em depoimento à Polícia Federal de Minas, dia 21 de junho. Fernanda revelou que a então gerente da SMP&B, Simone Vasconcelos, viajava a Brasília em companhia de Valério, ficando geralmente no Hotel Gran Bittar. Simone ''era enencarregada de efetuar o pagamento aos parlamentares destinatários do denominado mensalão'', segundo Fernanda.

A versão da secretária foi confirmada por João Cláudio de Carvalho Genu, ex-chefe de Gabinete do deputado federal José Janene (PP-PR). No dia 29 de julho, Genu foi à PF e revelou que ''foi ao encontro de Simone no Hotel Gran Bittar''. Depois, ''Simone vinha ao encontro do declarante e pegava a maleta que portava para colocar o dinheiro'', revelou Genu. Marcos Valério atribui a Genu sete saques, no valor total de R$ 4,1 milhões.

Os hotéis onde o dinheiro era distribuído também aparecem relacionados no depoimento do ex-tesoureiro do PL, Jacinto Lamas.