Título: Pressão religiosa afeta ataque à aids
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 30/08/2005, Internacional, p. A9

A política norte-americana de combate à aids, com ênfase da abstinência sexual recomendada pela Igreja Católica, é um obstáculo para o combate à pandemia na África, afirmou o enviado especial da ONU para HIV/aids no continente, Stephen Lewis. Ao subestimar o uso de camisinha, o programa de assistência dos Estados Unidos tem sido responsável por resultados desastrosos, como a falta de preservativos em Uganda.

Para Lewis, o fundamentalismo cristão está levando o plano global de combate à doença de Washington - o PEPFAR (President's Emergency Plan For Aids Relief) - a terríveis conseqüências.

O programa de prevenção do governo Bush prioriza a abstinência em detrimento do incentivo ao uso da camisinha. Nos últimos cinco anos, o orçamento para campanhas de não manutenção de relações mais do que dobrou. Como parte do programa, a Casa Branca disponibilizou este ano US$ 8 milhões para projetos que pregam a abstinência em Uganda, alertaram ativistas de direitos humanos.

Segundo esses grupos, a crise é tão grande que os ugandenses estão usando sacos plásticos de todos os tipos para se protegerem:

- Não tenho dúvidas de que a escassez de preservativos em Uganda é causada, em grande parte, pela política cristã de Bush e seu PEPFAR - afirmou o funcionário da ONU em entrevista coletiva. - Essa distorção será responsável por um número significante de infecções que não deveriam acontecer - completou.

O país africano conquistou nos últimos anos uma drástica redução de casos - a taxa de infecção caiu de 30%, no começo dos anos 90, para 6% hoje - um raro acontecimento na luta do continente contra a doença. Entretanto, o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, vem sendo criticado por reduzir a campanha do uso de camisinha e se aliar ao programa de Washington.

Museveni suspendeu, em 2004, a distribuição gratuita de camisinhas - por motivos de segurança devido à qualidade suspeita -, triplicando o preço do produto. Piorou a situação ao fracassar em promover alternativas, segundo a ativista ugandense Beatrice Were.

- As pessoas estão desesperadas por camisinhas - alertou.

O ministro da Saúde, Mike Makula, no entanto, negou a escassez do produto. Afirmou que o país tem 65 milhões de unidades estocadas e espera outras 80 milhões, a serem entregues:

- É um boato de pessoas que querem destruir a imagem de Uganda - disse ao The Monitor, jornal da capital Kampala. - Eu desafio qualquer um a vir conferir - completou, ressaltando que o país tem camisinhas suficientes até o final do ano, já que o consumo é de cinco milhões de unidades por mês.

Para o diretor do Centro para a Saúde e Igualdade de Gêneros, dos EUA, Jodi Jacobson, a suspensão da distribuição do preservativo abalou a confiança da população no Estado.

- Eles estão sendo arrastados pela direita fundamentalista americana - afirmou Jacobson, destacando que faltam camisinhas há 10 meses.

Segundo o enviado da ONU, o efeito da ''ênfase excessiva na abstinência'' dos EUA é mais impactante em Uganda, de forte tradição religiosa, apesar de reverberar em toda a África, ameaçando sabotar outros programas de combate à doença:

O US Global Aids Coordinator, que administra o PEPFAR, por sua vez, não respondeu às críticas. No entanto, no site do escritório, pode-se ler que ''Uganda é conhecida por seu programa ABC'': abstinência, fé e camisinha (Abstnence, Be faithful, Condom). O Global Aids ressalta que o ''programa dos EUA enfatiza A e B''.