Título: Má hora para visitas
Autor: Mauro Santayana
Fonte: Jornal do Brasil, 31/08/2005, País, p. A2

Anuncia-se a visita do presidente Bush ao Brasil, em novembro próximo. Não é o melhor momento para recebê-lo. Trata-se do mais arrogante presidente dos Estados Unidos desde que Theodore Roosevelt divulgou o seu "Corolário da Doutrina Monroe", em 1904. Essa doutrina, que estabelece o direito de os Estados Unidos intervirem na América Latina, a fim de corrigir e disciplinar os governos que, em seu juízo, ajam mal, não foi formalmente revogada nestes 101 anos passados. Houve, sim, doutrinas adjetivas, recomendadas pelas circunstâncias históricas, que a amenizaram - como a da Boa Vizinhança do outro Roosevelt, Franklin, na cooptação do continente para a Segunda Guerra Mundial, e a da Aliança para o Progresso, de Kennedy, na contenção da influência cubana nos países vizinhos. No fundo, os Estados Unidos continuam agindo de acordo com a particular interpretação da Doutrina Monroe. Na verdade, o documento redigido pelo secretário de Estado do Presidente Monroe, John Quincy Adams e enviado ao Congresso em 2 de dezembro de 1823, foi virado pelo avesso por Ted Roosevelt. Os Estados Unidos, pelo menos formalmente, se dispunham a proteger os estados independentes da América Latina contra qualquer tentativa de re-colonialismo, embora o presidente Polk a tenha invocado para invadir o México, e anexar boa parte de seu território, poucos anos depois. O primeiro Roosevelt proclamou o direito de intervir no continente, sempre que fosse de interesse de seu país - e foi o que passou a ocorrer até os nossos dias. Estamos em momento difícil. Pela Doutrina de Ted Roosevelt, não estamos procedendo bem. Governamo-nos mal. E não só nos governamos mal, como estamos com o Estado fragilizado pela perda do controle de seus setores estratégicos, e desarmado. Mas, para nossa sorte, a situação de Bush, hoje, não é a situação de Ted Roosevelt em dezembro de 1904, quando, reeleito para a Presidência dos Estados Unidos, se preparava para o segundo mandato, e seu país estava em plena ascensão econômica e política, seis anos depois de vencida a guerra contra a Espanha. Tanto quanto aqui, o chefe de governo se encontra em declínio na opinião pública. E enfrenta uma guerra no Oriente que ainda vai consumir muitos recursos e muito sangue. A diferença é que Bush ainda dispõe de três anos e cinco meses de mandato, e, de acordo com o sistema americano, dificilmente será afastado do poder antes disso - e o mandato de Lula termina dentro de um ano e quatro meses.

Mesmo sendo esse o quadro, devemos rejeitar quaisquer lições que nos queiram dar. Não nos podem ditar regras de ética política os que são acusados de misturar os negócios com o poder e mover guerra sanguinária na defesa dos interesses de companhias petrolíferas. Mas nos conviria tratar de nossa crise interna com mais seriedade. Severino Cavalcanti acaba de fazer perigosas declarações, e mesmo que as desminta, o mal está feito. O presidente da Câmara dos Deputados - que ali chegou como conseqüência de desastrada manobra da cúpula paulista do PT, aproveitada pelos tucanos, a fim de desmoralizar o parlamento - quer clemência para os acusados de vender o voto parlamentar. Com todo o respeito que merece o deputado de Pernambuco, trata-se de conivência com o erro, inadmissível no chefe de uma das casas do Congresso. Não pode haver tolerância, sob o pretexto de que o dinheiro de caixa 2 serviria para o pagamento de gastos de campanha. Crime é crime.

Confrontando-se com revelações que prometem atingir todos os partidos e os fatos de uma década inteira, membros da CPI e líderes parlamentares estão assustados. Surgem, nesses momentos, apelos à governabilidade. Teme-se que se aperte o cerco de denúncias contra o Antonio Palocci, e a política econômica seja atingida. O que as circunstâncias, nacionais e internacionais, exigem é rigor e firmeza na continuidade das investigações e na limpeza dessa estrebaria em que se transformou parcela da vida pública. Só assim estaremos moralmente autorizados a repelir qualquer interferência em nossos assuntos internos.