O Estado de São Paulo, n. 46637, 25/06/2021. Notas & Informações p.A3

 

Desafios do mercado imobiliário

Se em 2008 o mercado imobiliário – ou, mais precisamente, o uso disfuncional de ativos imobiliários como crédito no mercado de capitais – foi uma das alavancas da crise, agora ele é uma das alavancas para sair dela. O desempenho durante a pandemia foi consistente, e mesmo surpreendente. Entre julho de 2019 e julho de 2020, as vendas de novos imóveis no Brasil cresceram 58%. Em 2020, o valor dos financiamentos imobiliários foi 57% maior do que em 2019. No primeiro trimestre de 2021, os lançamentos foram 38% maiores do que no mesmo trimestre de 2020. Só a indústria da construção, em contraste com a maioria dos segmentos do mercado de trabalho, gerou em 2020 mais de 112 mil empregos.

Na base desse dinamismo estão condições favoráveis, como juros baixos, investimentos das prefeituras e estímulos fiscais. Mas a sua sustentação e sua sustentabilidade dependerão da mobilização do poder público e do setor privado.

Além do avanço da imunização, das reformas e da geração de empregos, esperam-se políticas macroeconômicas que mantenham juros acessíveis e controlem a inflação. Empresários do setor também apontam problemas de abastecimento e alta nos preços dos insumos. Na esfera regional, a recalibragem dos regulamentos urbanísticos será crucial. As incorporadoras têm o desafio de se adaptar às mudanças comportamentais aceleradas pela pandemia, como, por exemplo, o trabalho remoto. A crise é ainda uma oportunidade para o setor revigorar suas ações de responsabilidade social.

Esses desafios foram contemplados no debate de abertura do Top Imobiliário – evento promovido pelo Estado que premia as incorporadoras e construtoras mais destacadas de São Paulo – pelo presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), Basilio Jafet, e pelo pesquisador da Fipe Eduardo Zylberstajn.

Por ocasião da agenda de revisão do Plano Diretor de São Paulo, o Secovi diagnosticou problemas sérios a serem enfrentados pelo poder público.

Nos próximos 10 anos, São Paulo precisará acomodar mais de 870 mil habitações. Mas a baixa flexibilidade da Lei de Zoneamento acaba muitas vezes por congelar os miolos dos bairros centrais, tornando-os privilégio dos mais ricos. Cada vez mais as famílias com menor poder aquisitivo e boa parte da classe média são obrigadas a morar nas periferias, de onde percorrem longos trajetos para acessar ofertas de trabalho, serviços e lazer nas regiões centrais.

Encontrar soluções equilibradas de adensamento é uma pauta capital na modernização do Plano Diretor. Para dar uma ideia, o distrito mais denso de São Paulo, a República, tem a densidade média de toda a cidade de Paris, e a média da área urbana paulistana é menos da metade da parisiense. Ao contrário do que se pensa, estratégias focalizadas de verticalização em eixos de transporte e núcleos intermodais podem não só melhorar o trânsito, como preservar bolsões verdes e espaços de lazer, criando ambientes mais plurais, criativos e inclusivos.

Segundo a Fundação João Pinheiro, entre 2016 e 2019 o déficit habitacional no Brasil cresceu 4%. No caso das moradias de baixa renda, o novo Marco do Saneamento e as perspectivas de regularização fundiária geram a oportunidade de trazer à formalidade milhares de habitações irregulares. Nesse âmbito, a brusca desidratação dos recursos destinados ao programa Casa Verde e Amarela é duplamente preocupante, por reduzir tanto a oferta de moradias para famílias pobres quanto a criação de empregos na construção.

Mas, além das expectativas em relação às medidas governamentais para uma retomada sustentável, espera-se do setor imobiliário ambiciosos compromissos ambientais, sociais e de governança. Se a pandemia gerou externalidades positivas para o setor, para a maior parte das empresas e trabalhadores, sobretudo os mais pobres, foi catastrófica. Neste momento, sem prejuízo de suas metas de produtividade e lucratividade, toda incorporadora e construtora deveria se perguntar o que tem feito e o que pode fazer para ampliar o acesso a moradias dignas e tornar as cidades mais sustentáveis e inclusivas.