O Estado de São Paulo, n. 46637, 25/06/2021. Política p.A8

 

PF avisa que investigação não foi solicitada

 

Segundo deputado, Bolsonaro disse que ia pedir apuração sobre compra da Covaxin

Weslley Galzo

Lauriberto Pompeu / BRASÍLIA

 

Dirigentes da Polícia Federal relataram ao Estadão que nenhum inquérito foi aberto a pedido do presidente Jair Bolsonaro para investigar a compra da vacina indiana Covaxin. O deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou ter levado ao chefe do Executivo a denúncia sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo a aquisição do imunizante pelo governo brasileiro. Segundo o parlamentar, o presidente disse que levaria o caso à Polícia Federal.

O episódio levou o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), a pedir informações ao diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, para saber se Bolsonaro entrou em contato para solicitar que as suspeitas de irregularidades na aquisição do imunizante indiano fossem apuradas. Como mostrou o Estadão, o governo comprou a Covaxin por preço 1.000% maior do que era anunciado seis meses antes pela própria fabricante.

O comando da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado avalia que a negociação feita pelo governo de Jair Bolsonaro para adquirir a vacina indiana Covaxin “cheira mal” e tem indícios de irregularidades. Senadores independentes e de oposição afirmam haver indícios de que Bolsonaro prevaricou no episódio, pois foi alertado sobre a suspeição no acordo e não avisou à Polícia Federal.

O colegiado vai ouvir hoje o deputado e seu irmão, o chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Fernandes Miranda. Ele relatou ao Ministério Público Federal (MPF) ter sofrido pressão dentro do governo para autorizar uma fatura de aquisição de doses da vacina indiana, que estariam perto do prazo de validade e com exigência de pagamento antecipado.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que Miranda disse aos senadores da comissão que o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, saiu do cargo por não ceder ao que chamou de “esquema”.

“Na conversa com a gente, ele (Luís Miranda) diz que o Pazuello caiu porque não teve como resistir a esse esquema. Por isso foi substituído.”

O senador Jorginho Mello (PL-SC), aliado do Planalto e na CPI da Covid-19, rebateu, afirmando que Bolsonaro comunicou a Pazuello o suposto esquema de corrupção na aquisição de vacinas. Assim, segundo Mello, teria o general prevaricado em vez do presidente.

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, Bolsonaro pode ter cometido crimes de prevaricação e condescendência com o crime ao não solicitar que a PF apurasse suspeitas de ilicitude. A avaliação é que o presidente também pode ter cometido crime de responsabilidade – passível de abertura de processo de impeachment – por não determinado a abertura de investigação da PF. O Código Penal descreve o crime de prevaricação como o ato de “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício” em benefício próprio.

“O presidente da República não tem o poder investigatório, mas ele deveria obrigatoriamente conduzir a documentação para a Polícia Federal investigar”, disse Antonio Gonçalves, pósdoutor em ciência jurídica pela Universidade Nacional de La Matanza, na Argentina. Ele defende que, em última instância, a função de solicitar abertura de investigação criminal é de Bolsonaro, e não de Pazuello.

Para Matheus Feliveni, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), Bolsonaro pode incorrer no crime de condescendência criminosa – quando um gestor público deixa de responsabilizar ou não leva à autoridade competente crime cometido por seus subordinados.

O jurista Antonio Gonçalves vai além. Segundo ele, Bolsonaro pode ter prevaricado e sido condescendente com o crime. Os especialistas julgam haver margem para que o presidente seja enquadrado na Lei 1079/1950, relativa aos crimes de responsabilidade que levam ao impeachment – caso comprovadas as omissões.

 

Caminho da lei

“O presidente não tem o poder investigatório, mas deveria obrigatoriamente conduzir a documentação para a PF investigar”

Antonio Gonçalves

DOUTOR EM CIÊNCIA JURÍDICA

 

CRONOLOGIA

Negócio sai após 10 meses

31 de agosto de 2020

• Preço menor

Em uma espécie de “pesquisa de mercado”, o embaixador do Brasil na Índia relata ao Ministério das Relações Exteriores lista de preços por dose de cada fabricante. A da AstraZeneca seria de US$ 3 e a da Covaxin, US$ 1,34.

 

• 20 de novembro

Precisa procura Saúde

Representantes da Precisa Medicamentos procuram o Ministério da Saúde para discutir possível compra da Covaxin.

 

3 de janeiro de 2021

Dúvida sobre eficácia

Embaixada do Brasil na Índia registra que a autoridade sanitária do país aprovou o uso emergencial das vacinas da AstraZeneca, produzida no laboratório do Instituto Serum, e da Covaxin, da Bharat Biotech. E afirma que um interlocutor da Bharat Biotech não precisou data para o fim da fase de testes clínicos e disse que uma dose da Covaxin custará “menos do que uma garrafa de água”.

 

8 de janeiro de 2021

Aprovadas

O presidente Jair Bolsonaro informa ao governo de Narendra Modi que Covaxin e AstraZeneca farão parte do Programa de Imunização do Brasil.

 

12 de janeiro de 2021

Parceria

Bharat Biotech anuncia que firmou parceria com a Precisa Medicamentos para exportação da Covaxin para o Brasil.

 

18 de janeiro de 2020

Tratativas

Ministério da Saúde envia ofício à Precisa Medicamentos informando querer dar início a tratativas comerciais para aquisição de lotes do imunizante.

 

29 de janeiro de 2021

Negociação sob controle

O então secretário executivo da Saúde Elcio Franco ordena que sejam concentradas nele todas as tratativas para negociações de imunizantes.

 

25 de fevereiro de 2020

Contrato assinado

Ministério assina contrato para compra de 20 milhões de doses da Covaxin por R$ 1,6 bilhão (US$ 15 cada dose – R$ 80,70 na cotação da época).

 

31 de março de 2021

Anvisa rejeita

Anvisa não autoriza importação da vacina Covaxin, após avaliação das informações técnicas disponíveis.

 

20 de abril de 2021

Novo preço

Bharat Biotech informa que houve uma expansão da produção e o preço das doses para o mercado internacional ficará entre US$ 15 e US$ 20.

 

4 de junho de 2021

Importação

Anvisa autoriza importação emergencial de 4 milhões de doses sob algumas condições.

 

9 de junho de 2021

Certificado

Anvisa concede a Certificação de Boas Práticas de Fabricação para a Bharat Biotech, fabricante da Covaxin. O certificado é necessário para que a vacina obtenha o registro definitivo no Brasil, mas não para seu uso emergencial.

 

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Planalto faz dossiê contra Miranda, que ameaça 'explosão'

 

Em depoimento, hoje, os dois irmãos repetirão que o governo ignorou os alertas levados por eles ao Planalto

 

Vera Rosa 

O Palácio do Planalto está fazendo um dossiê sobre o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Fernandes, os dois homens que agora ameaçam “explodir” a República ao denunciar um esquema de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin. Antes aliado do governo, o deputado que andava de moto com o presidente Jair Bolsonaro fez acusações que levaram o inquilino do Planalto para o centro da investigação da CPI da Covid.

Luís Ricardo vai depor hoje à CPI, acompanhado do irmão deputado. Chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, ele acusa o governo de ignorar os alertas de superfaturamento no preço da vacina e de haver uma empresa atravessadora no meio do negócio.

Agora, além de escarafunchar a ficha de Luís Ricardo e processos contra Miranda, que já foi alvo de processos de estelionato, a Casa Civil e a Secretaria Geral da Presidência também levantam o “histórico” do deputado do DEM, com a ajuda do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).

Em 6 de outubro do ano passado, por exemplo, Miranda publicou no Instagram uma mensagem que causou confusão e serviu como argumento para adiar, mais uma vez, a instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO). “Hoje o pau quebra, mas os corruptos não levam! Quando não tem acordo na democracia, o assunto se resolve no voto, não com emendas, cargos e corrupção! Será tiro, porrada e bomba! Estou chegando...”, dizia a postagem no Stories da rede social.

Naquele dia, Miranda registrou presença na Câmara às 8h29. À época, ele apoiava a candidatura do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) para a presidência da CMO contra o Centrão de Lira, que respaldava Flávia Arruda (PL), hoje ministra da Secretaria de Governo. A queda de braço tinha como pano de fundo a disputa entre Lira e o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia – à época no DEM – pelo comando da Casa.

Naquela Miranda estava contra Lira, mas mudou rápido de lado. Disse que havia feito apenas uma “brincadeira”, pois “tiro, porrada e bomba” é uma expressão popular contida na música Beijinho no Ombro, de Valesca Popuzuda. Na prática, nenhuma bomba estourou nem houve soco, sopapo e bofetão, mas a sessão de instalação da CMO teve de ser remarcada.

De lá para cá, as peças do jogo se inverteram. Adversários viraram aliados, como é o caso de Lira e Elmar, e Maia foi expulso do DEM. Com pretensão de ser o relator da reforma tributária, Miranda se aproximou de Lira, mas agora se tornou o inimigo número 1 de Bolsonaro.

O presidente diz que a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) vão investigar o deputado e o irmão. Mas não é só: o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, hoje na Secretaria de Assuntos Estratégicos, foi acionado para auxiliar na busca de “podres” de Miranda e de Luís Ricardo, que é concursado.

No figurino de candidato à reeleição, Bolsonaro tentou mostrar ontem que não está acuado. “Para a tristeza de alguns poucos, o governo está completando dois anos e meio sem uma acusação sequer de corrupção”, discursou o presidente, sem máscara, ao participar de cerimônia em Jucurutu, no interior do Rio Grande do Norte, como se não houvesse crise. “Não adianta inventar vacina, porque não recebemos uma dose sequer dessa aí que entrou na ordem do dia da imprensa ontem”, emendou ele, numa referência à Covaxin. Um outdoor com a inscrição “Cemitérios cheios. Geladeiras vazias” e o aviso “Pau dos Ferros é Fora Bolsonaro” chegou a ser instalado no trajeto da comitiva do presidente, mas acabou retirado. Pau dos Ferros é um município potiguar onde Bolsonaro enfrenta muita oposição.

“O Brasil vai conhecer a verdade. Não teve nenhuma compra da vacina porque meu irmão e eu não deixamos acontecer. Nós não somos os bandidos dessa história”, avisou Miranda.

Em áudio postado nas redes sociais, o deputado afirmou não ter medo de ameaças nem de chantagens e disse ser vítima de “armação”. “Vocês estão se metendo com as pessoas erradas”.

 

O presidente

“Para a tristeza de alguns poucos, o governo está completando dois anos e meio sem uma acusação sequer de corrupção.”

Jair Bolsonaro

 

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Presidente diz que CPI não o tirará do poder

 

O presidente Jair Bolsonaro reafirmou ontem que a CPI da Covid não conseguirá tirá-lo do poder e rebateu acusações do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que afirma tê-lo alertado de possíveis irregularidades no contrato do Ministério da Saúde para compra da vacina Covaxin. "Me acusam de tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil", disse.

"Sete senadores, estando à frente deles Renan Calheiros, dizem que eu não dou bom exemplo na pandemia. Renan Calheiros, siga meu exemplo seja honesto", completou em discurso durante uma cerimônia em Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte.

Segundo reportagem do Estadão/Broadcast, o governo brasileiro concordou em contrato pagar valor dez vezes maior pela vacina Covaxin, contra a covid-19, do que o preço anunciado seis meses antes. Segundo irmão do deputado e servidor do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, houve "pressão anormal" de chefes da Pasta para a assinatura do acordo de compra. /COLABOROU JULIANA FERNANDES, ESPECIAL PARA O 'ESTADÃO'