O Estado de S. Paulo, n. 46636, 24/06/2021. Notas & Informações, p. A3

O TSE pede provas a Bolsonaro



Duas semanas depois de o presidente Jair Bolsonaro ter voltado a afirmar, durante um culto religioso em Anápolis (GO), que só não ganhou as eleições de 2018 no primeiro turno por causa de fraudes, o corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Felipe Salomão, deu o prazo de 15 dias para que ele apresente documentos e provas que fundamentem suas acusações.

"Eu fui eleito no primeiro turno. Tenho provas materiais disso, mas a fraude que existiu, sim, me jogou para o segundo turno. Outras coisas aconteceram e só acabei ganhando porque tive muito voto e (era assessorado) por algumas poucas pessoas que sabiam como evitar ou inibir que houvesse a fraude naquele momento", afirmou Bolsonaro. Embora ao longo dos últimos dois anos e meio tenha feito outras afirmações no mesmo sentido, até hoje ele não apresentou qualquer prova ou evidência. E, em sua live da semana passada, voltou a tocar no assunto, dizendo que, se o sistema de voto impresso não for adotado no pleito de 2022, haverá fraude, o que levará o País a uma "convulsão social".

Encarregado de apurar irregularidades na esfera eleitoral, o ministro Luís Felipe Salomão fundamentou sua decisão com base em seis acusações de Bolsonaro coletadas pela Corregedoria do TSE e fez mais três determinações. Em primeiro lugar, obrigou todos os membros do entorno de Bolsonaro que fizeram declarações sobre fraudes nas urnas eletrônicas, no pleito de 2018, a também apresentar provas, sob pena de sofrerem sanções. Em segundo lugar, instaurou procedimento administrativo para apurar "a existência de elementos concretos que possam ter comprometido a segurança do processo eleitoral nos pleitos de 2018 e 2020". Por fim, notificou o Cabo Daciolo, candidato derrotado a presidente em 2018, a prestar esclarecimentos, uma vez que, a exemplo de Bolsonaro, ele também denunciou irregularidades na apuração, sem apresentar provas.

Ao justificar todas essas decisões, o ministro Luís Salomão alegou que "a credibilidade das instituições eleitorais constitui pressuposto necessário à preservação da estabilidade democrática e à manutenção da normalidade constitucional". Segundo ele, "relatos genéricos", como os que Bolsonaro vem fazendo reiteradamente desde o ano passado, "maculam a imagem da Justiça".

A partir de agora, portanto, se não apresentar à Corregedoria do TSE as provas que sempre disse ter, Bolsonaro enfrentará dois problemas. O primeiro é de ordem moral, uma vez que quem faz sucessivas denúncias infundadas e genéricas não passa de um boquirroto inconsequente e de um mentiroso contumaz. Já o segundo problema é de natureza jurídica. O presidente poderá não apenas sofrer uma sanção pecuniária por ter feito acusações sem provas à Justiça Eleitoral, mas, também, ser processado judicialmente pelos crimes de prevaricação e desobediência no Supremo Tribunal Federal.

É justamente aí que está o maior problema. Se a tramitação do processo for arrastada, o julgamento poderá coincidir com o início formal da campanha eleitoral do próximo ano, o que desgastará a imagem do presidente da República e ampliará as tensões políticas. E, se ele for condenado por fazer denúncias mentirosas e por estimular grupos de apoiadores a divulgar nas redes sociais informações falsas contra as instituições judiciais, colhendo assim os frutos do que irresponsavelmente plantou, os candidatos oposicionistas não perderão a oportunidade de pedir a sua inelegibilidade ao TSE. Com isso, a eleição presidencial será judicializada, pois, qualquer que seja a decisão da Corte, a parte derrotada recorrerá ao STF.

A iniciativa do corregedor do TSE, que apenas cumpriu seu papel funcional, está sendo vista nos meios políticos como uma resposta sutil da magistratura às inconsequentes e irresponsáveis afrontas que Bolsonaro vem fazendo à Justiça. Mas, dependendo do desenrolar do caso nessa Corte, ela pode abrir caminho para uma crise maior do que se imagina.