Título: Mau exemplo
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 31/08/2005, Opinião, p. A10

O presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), reafirmou sua impulsiva inclinação pela afronta típica dos insensatos. Na contramão dos sinais emitidos pela opinião pública, que tem rechaçado com vigor qualquer indício de pizza na conclusão das CPIs em curso no Congresso, declarou o impensável mesmo para as mentes mais habituadas ao surpreendente mundo da desfaçatez de Brasília. O presidente da Câmara emitiu seu julgamento antes do fim das investigações, sobre as quais deputados, senadores, procuradores e policiais federais se vêm dedicando há cerca de três meses: peremptoriamente, negou a existência do ''mensalão'', a odiosa propina distribuída a parlamentares da base de apoio ao governo para votar projetos de interesse do Palácio do Planalto. Além de negar a compra de voto dos deputados, Severino afirmou que todo o escândalo evidenciado hoje no Brasil resume-se a irregularidades em financiamentos de campanha. O caixa dois, disse ele, não constitui um crime suficientemente grave para a cassação de um parlamentar. A perda do mandato, afirmou, é um castigo demasiadamente excessivo para os colegas que se utilizaram de recursos não declarados - e, portanto, ilegais - para disputar a eleição. Defendeu, enfim, ''penas suaves'', como um ''voto de censura''. Ontem, ao perceber o tamanho da bobagem que dissera no dia anterior, ou simplesmente reagindo às duras e justificáveis críticas que recebeu de parlamentares, foi à tribuna, tentou refazer o estrago na sua já aniquilada imagem e agravou o ambiente. Prometeu punição aos culpados, mas sublinhou que não encaminhará inocentes para o cadafalso. Desceu aos esgotos da retórica. Sucumbiu mais uma vez.

Como lenitivo à estupefação diante das declarações de Severino, pôde-se constatar a dura resposta de parlamentares de partidos diversos, como os deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) e José Carlos Aleluia (PFL-BA). Na insistente e incômoda tentativa de proteger os colegas, beneficiários da horta de mordomias das quais é o principal defensor, o presidente da Câmara exala de sua particular oratória e de uma idiossincrásica forma de pensar, o que há de mais abjeto na política brasileira: o corporativismo, o fisiologismo, o empreguismo, o nepotismo, o entreguismo e quaisquer outros ismos congêneres que merecem ser extirpados dos hábitos do poder.

Sua extensa lista de impropriedades - emitidas desde que, por um ato coletivo de mesquinhez política, chegou à presidência da Câmara - é apenas conseqüência de uma constante busca de saciar uma inesgotável fome de benefícios. Sua e de parte de seus colegas. Defesa de aumentos de verbas, declarações favoráveis ao emprego de parentes, entre outras artimanhas, fazem parte do repertório do deputado, com o qual a população vem sendo obrigada a ouvir e respeitar - posto que foi eleito democraticamente pelos pares.

Com este novo mau exemplo, Severino reafirma o próprio despreparo, ofende o eleitor e desonra a instituição que comanda e por cuja imagem deveria ter a missão de prezar. Se estivesse à altura do cargo que ocupa, dedicaria esforços a banir as práticas mais execráveis do cotidiano político do país, em vez de aguçar o desejo cada vez mais escancarado nos corredores do Congresso por impunidade e mordomias. A população rejeita tamanha malandragem. Exige punição exemplar para os crimes cometidos, seja no exercício do mandato, seja nas campanhas eleitorais. A Severino, deseja-se-lhe sensatez e respeito para com o Brasil.