O Estado de São Paulo, n. 46644, 02/07/2021. Política p.A7

 

Inquérito dos atos antidemocracia vai mudar alvos

 

Ministro do STF Alexandre Moraes arquiva ação de abril de 2019, mas pede investigações sobre ataques ao Legislativo e ao Judiciário

Rayssa Motta

Fausto Macedo

Pepita Ortega

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou o inquérito que investigava a organização e o financiamento de atos antidemocráticos. Na mesma decisão, porém, Moraes determinou a abertura de novas frentes de apuração sobre ataques à democracia, aos poderes Legislativo e Judiciário e pedidos de retorno à ditadura militar.

Ao encerrar o inquérito, Moraes acatou recomendação da Procuradoria-Geral da República (PGR). O ministro, entretanto, afirmou que seu gabinete deve passar a investigar a existência de grupos digitais organizados para atacar a democracia do País. Segundo o ministro do Supremo, os métodos e núcleos estruturados são “absolutamente semelhantes” aos identificados no inquérito das fake news, também sob sua relatoria.

“A análise dos fortes indícios e significativas provas apresentadas pela investigação realizada pela Polícia Federal aponta a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhantes àqueles identificados no inquérito 4781, com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito”, escreveu.

Moraes também determinou que a delegada Denisse Dias Rosas, até então responsável pelo inquérito dos atos antidemocráticos, assuma a nova investigação. A estratégia, no entanto, gerou insatisfação na PGR. O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, criticou a forma como a apuração foi conduzida e disse que as linhas de investigação originalmente traçadas foram reformuladas, deixando lacunas que impediram a continuidade do inquérito sobre os atos contra a democracia.

Moraes também mandou abrir dois inquéritos independentes para investigar as deputadas federais Paula Belmonte (Cidadania-DF), por possível caixa 2, e Aline Sleutjes (PSLPR), por depósitos recebidos de assessores parlamentares. Procuradas, as deputadas não se manifestaram até a conclusão desta edição.

Na decisão de 83 páginas, o ministro ainda determinou o compartilhamento integral das provas do inquérito dos atos antidemocráticos com a investigação que apura a divulgação de fake news. O movimento serve para blindar o material recolhido pela PF desde abril do ano passado, quando a apuração sobre os atos começou. Moraes justificou que as duas apurações têm investigados comuns, incluindo servidores públicos e parlamentares, e hipóteses semelhantes.

 

‘Covardia’. Em sua live semanal nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro classificou a decisão de “covardia” e sugeriu haver relação com a afirmação que ele fez pela manhã, na qual disse haver “articulação” entre três ministros do Supremo para barrar o voto impresso. “Será que é um troco por causa do que falei hoje pela manhã? Não citei seu nome, ministro”, disse.

 

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Desembargadora acusada de vender sentenças é solta

 

O ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou a soltura da desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, presa desde novembro de 2019 na Operação Faroeste. Ela é suspeita de envolvimento em esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). O magistrado também libertou o advogado Márcio Duarte Miranda, genro de Maria do Socorro e também investigado no caso.

Ao ordenar a soltura, o ministro contrariou pedido feito na terça-feira pelo Ministério Público Federal (MPF) para manter a prisão dos réus. Em relação à desembargadora, o ministro concluiu que a saída não representaria risco à ordem pública porque o próprio STJ determinou, em fevereiro deste ano, seu afastamento por um ano das funções no tribunal. Assim, não haveria possibilidade de que ela atrapalhasse o andamento das investigações. Em liberdade, ambos precisarão usar tornozeleira eletrônica.

Deflagrada em novembro de 2019, a Operação Faroeste investiga um esquema de venda de sentenças no oeste da Bahia coordenado por Adailton Maturino, que se apresentava como cônsul de Guiné-Bissau. As decisões transformaram um borracheiro, apontado como laranja de Adailton, em um dos maiores latifundiários da região.

Ao todo são 15 réus no processo, após o STJ aceitar denúncia oferecida pelo MPF sobre o esquema. Maria do Socorro é acusada de expedir uma decisão que restabeleceu o bloqueio da matrícula de um imóvel de interesse dos envolvidos na fraude. O MPF aponta que a desembargadora teria recebido R$ 400 mil pela sentença, valor que teria sido pago por Maturino. Já Miranda é considerado pelos investigadores como um "corretor dos serviços criminosos de sua sogra", que presidiu o Tribunal de Justiça da Bahia entre 2016 a 2018, "funcionando também como intermediário no recebimento de vantagens indevidas."

A defesa da desembargadora elogiou a decisão "uma vez que a necessidade e utilidade da prisão preventiva para o processo já não mais existiam".

 

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Mello diz torcer por Mendonça e Aras na Corte

 

O discurso de despedida do Supremo Tribunal Federal (STF) do ministro Marco Aurélio Mello foi marcado por recados aos colegas e pelo apoio ao advogado-geral da União, André Mendonça, na corrida pela vaga que será aberta no tribunal com a aposentadoria dele.

"A presença, hoje, com palavras muito amáveis, do doutor André Mendonça, que tem a minha torcida para substituir-me no Supremo", disse Marco Aurélio ao agradecer as homenagens durante sessão solene ontem.

Mello se aposenta no próximo dia 12 após 31 anos de trabalho na Corte. Depois de seu discurso, porém, o decano pediu novamente a palavra para estender a torcida ao procurador-geral da República Augusto Aras.

"O que disse em relação ao doutor André, falo quanto ao doutor Augusto Aras. Seria uma honra para mim muito grande vê-lo ocupando a cadeira que deixo no Supremo", acrescentou o ministro. A indicação cabe ao presidente Jair Bolsonaro, que ainda precisa cumprir a promessa de escolher um candidato "terrivelmente evangélico" para compor o tribunal.