O Estado de São Paulo, n. 46645, 03/07/2021. Política p.A4

 

Rosa autoriza inquérito para investigar Bolsonaro

 

Executivo. Decisão da ministra do Supremo atende pedido da Procuradoria, que vai apurar se presidente cometeu crime de prevaricação na compra da vacina Covaxín, alvo de suspeita

 

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, acatou ontem à noite pedido da Procuradoria-geral da República e autorizou a abertura de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro para apurar suspeita de prevaricação no caso da negociação da vacina indiana Covaxin. A manifestação havia sido encaminhada horas antes à Corte, após a ministra, relatora do caso, negar o pedido da Procuradoria para segurar o andamento de notícia-crime relacionada ao caso até o fim dos trabalhos da CPI da Covid.

“Estando a pretensão investigativa lastreada em indícios, ainda que mínimos, a hipótese criminal deve ser posta à prova”, escreveu Rosa na decisão. As suspeitas envolvendo o contrato de compra da vacina indiana já são alvo de investigação na comissão parlamentar de inquérito no Senado. A notícia-crime que motivou o parecer da PGR foi protocolada no Supremo pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-ap), Fabiano Contarato (Rede-es) e Jorge Kajuru (Podemos-go), na segunda-feira passada.

Os parlamentares argumentam que Bolsonaro cometeu crime de prevaricação ao não determinar a abertura de investigação sobre a compra da Covaxin após ser informado sobre supostas ilegalidades nessa aquisição pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor de carreira no Ministério da Saúde. Segundo afirmou o deputado em depoimento à CPI, ao ouvir o relato, o presidente citou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), como o parlamentar que queria fazer “rolo” no Ministério da Saúde, e disse que acionaria “o DG”, em referência ao Diretor-geral da corporação. A PF afirmou na semana passada, no entanto, que não havia investigação aberta sobre o caso.

O crime de prevaricação é descrito no Código Penal como “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Para o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), o inquérito da PGR aberto contra Bolsonaro por prevaricação é o resultado concreto do trabalho da comissão. “Esse é o menor dos crimes”, disse.

Em parecer, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, indicou algumas diligências a serem realizadas no âmbito da investigação, entre elas a solicitação de informações à Controladoriageral da União, ao Tribunal de Contas da União, à Procuradoria da República no Distrito Federal, e à CPI da Covid sobre procedimentos relativos aos mesmos fatos, com o respectivo compartilhamento de provas.

Mas, embora tenha pedido a apuração, Medeiros apontou “ausência de indícios” e disse que é preciso esclarecer as providências adotadas pelo governo. Na versão apresentada pelo ministro da Secretaria-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, Bolsonaro, após ser informado das supostas irregularidades, pediu ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que apurasse as negociações da vacina Covaxin. Em manifestação encaminhada à PGR, Pazuello disse que a pasta abriu investigação interna, mas não encontrou irregularidades.

 

Depoimento. Medeiros indicou ainda que pretende ouvir “os supostos autores do fato”. O prazo inicial estabelecido para a conclusão da primeira etapa das apurações, que inclui os interrogatórios, é de 90 dias. O inquérito, no entanto, pode esbarrar na falta de definição sobre a modalidade de depoimento do presidente da República.

Um impasse sobre o depoimento de Bolsonaro já travou outro inquérito no Supremo: o que apura se o presidente tentou interferir politicamente na Polícia Federal para blindar familiares e aliados de investigações, como sugeriu o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ao deixar do governo.

A apuração, que completou um ano em abril, está parada na PGR aguardando o Supremo decidir sobre como deve ocorrer o interrogatório – se presencial ou por escrito. A oitiva é a última pendência do caso. O tema está previsto para ser julgado do STF em setembro, quase um ano após ter sido pautado pela primeira vez no plenário.

Uma vez instaurado o inquérito, se as investigações concluírem pela responsabilização de Bolsonaro, o presidente poderá ser denunciado. Uma ação penal, contudo, só poderia ser aberta após aval do Congresso. Neste caso, uma vez que a acusação formal é acolhida, o presidente é afastado do cargo.

Uma avaliação interna no Supremo, porém, é de que por ser um crime de baixo potencial ofensivo, com penas leves, dificilmente o inquérito resulte em uma denúncia. Mesmo que a investigação conclua que Bolsonaro prevaricou ao não comunicar a Polícia Federal após ser informado de suspeitas no Ministério da Saúde, o mais provável é que seja proposto a ele um acordo de não persecução penal – neste caso, ele teria que aceitar algumas condições para que o processo seja encerrado.

O acordo é uma novidade jurídica no Brasil, introduzido ao Código Penal de Processo Penal em 2019, com a aprovação da Lei Anticrime, de autoria do então ministro Sérgio Moro.

Na avaliação da constitucionalista Vera Chemim, a possível comprovação do ilícito por parte do presidente configuraria crime de responsabilidade. “A pena prevista pelo cometimento do crime de prevaricação não se aplica, a princípio, para o presidente da República, porque o mesmo ato ilícito remete a um crime de responsabilidade, em razão da natureza da sua função pública e portanto, as sanções a serem aplicadas ao presidente, na hipótese de ele vir a julgamento e ser condenado, são de caráter político-administrativas: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, ressarcimento do dano (se for o caso), inelegibilidade temporária.”