O Estado de S. Paulo, n. 46633, 21/06/2021. Economia & Negócios, p. B8

Avanço da vacinação no País consolida a retomada econômica na Bolsa

Jenne Andrade


Em outubro do ano passado, esta frase foi marcante para todos os brasileiros: "A da China nós não compraremos, é decisão minha". As palavras do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) marcaram um início truncado do processo de vacinação contra a covid19 no Brasil. A proteção viria a passos mais lentos do que o esperado pela população e pelo mercado financeiro.

Hoje, cerca de cinco meses após a enfermeira Mônica Calazans "cortar a fita" da vacinação no País, o cenário é outro. Grande parte do grupo de risco já foi vacinada, e a imunização por idades parece estar acelerada. Em São Paulo, por exemplo, é previsto que até setembro toda a população já tenha recebido pelo menos a primeira dose.

A luz no fim do túnel trazida pelas vacinas já reluz em números na Bolsa de Valores, com o Ibovespa de volta aos 130 mil pontos, após uma valorização de 8% em pouco mais de 1 mês e meio (entre 1.º de maio 18 de junho).

Os dados derrubam a dicotomia entre salvar vidas ou a economia. "A vacinação nos traz de volta muita coisa que a pandemia nos tirou, principalmente na questão da mobilidade, pensando do ponto de vista econômico", afirma Gino Olivares, economista-chefe da Galapagos Capital e professor do Insper. "Acredito que esse período nebuloso na história está acabando. E aqui fica a minha dúvida e a de todos: por que o governo federal não conseguiu enxergar antes que a solução (para a economia e para a população) passava pela vacinação?"

Segundo o especialista da Galapagos, se as vacinas tivessem chegado ao braço dos brasileiros de forma mais rápida e com melhor logística, a economia já teria deslanchado – e, com isso, a Bolsa de Valores. "Estaríamos em outro patamar", diz Olivares. "O grande responsável pelo programa nacional de vacinação se omitiu. O papel do governo federal, além de fornecer as vacinas, é estabelecer os critérios para elas. Não deveríamos ter Estados em níveis diferentes de imunização."

Essa também é a visão de Pedro Serra, gerente de research da corretora Ativa. "Sempre tivemos uma perspectiva positiva em relação à vacina", diz ele. "O governo federal talvez pudesse ter antecipado a compra das doses, mas o fato é que, agora, temos. Bem atrasado, mas temos."

Para o alto. Superados os entraves políticos e logísticos, a seta aponta para cima. Com a reabertura econômica batendo à porta, os investidores começam a reposicionar as carteiras para os setores mais afetados pela crise do coronavírus.

É o caso, segundo os especialistas ouvidos, de shopping centers, varejistas de vestuário, aéreas e companhias ligadas à educação.

De acordo com o levantamento exclusivo feito pela Economatica, entre 21 de fevereiro e dezembro de 2020, o setor aéreo perdeu 27,47% do valor de mercado no Ibovespa, passando de R$ 35,6 bilhões para R$ 25,8 bilhões. No segmento estão incluídas as empresas Gol, Azul, CVC e Embraer.

Os shoppings, varejo de vestuário e o setor educacional fizeram movimento semelhante, com perdas respectivas de R$ 16,2 bilhões (36%), R$ 11,1 bilhões (-23%) e R$ 18,9 bilhões (-50,4%) em 2020. Já os segmentos que mais cresceram nos períodos mais densos da crise do coronavírus foram os relacionados à tecnologia e às novas necessidades trazidas pelo isolamento social. O e-commerce, um dos grandes campeões do período de fechamento, saltou mais de 40% entre fevereiro e dezembro de 2020.

Com a recuperação da economia e o fim do isolamento social em um horizonte próximo, o cenário se inverteu. Em 2021, os papéis do setor aéreo e shoppings já registram movimento de recuperação. Por outro lado, as empresas de e-commerce estão no vermelho em 2021, com queda de 12,38% no valor de mercado em comparação com o fim do ano passado.

"Estamos com uma perspectiva muito boa em relação à vacinação, já que, com o fim das restrições, muitos setores devem se beneficiar. As medidas restritivas poderão ser retiradas de maneira geral", diz Serra.

Nessa retomada econômica na Bolsa, o segmento que ainda segue muito defasado é o da educação, que acumula uma alta mais tímida. "O setor foi muito afetado. A educação executiva, por exemplo, acabou porque as pessoas se matriculam nesse tipo de curso não só pelas aulas, mas pelo networking, que fica prejudicado no ensino online", afirma Olivares.

Quando o assunto é recomendações, os preferidos da Ágora Investimentos dentre os papéis pertencentes a setoreschave da reabertura econômica são Azul e Aliansce Sonae. "É importante o avanço da vacinação para a retomada. Podemos ter um PIB com uma expansão maior do que era inicialmente prevista, e isso tem impacto no crescimento do lucro das empresas, apesar de ainda termos alguns pontos de atenção, como a questão política e fiscal", explica José Cataldo, head de research da Ágora.

Riscos. Apesar do otimismo, existem riscos que podem segurar esse potencial de alta. Um deles é o avanço da inflação (IPCA), que deve fechar em 5,82% na mediana das projeções divulgadas no último Boletim Focus, acima do teto da meta (5,25%).

Para Olivares, o aumento generalizado de preços também poderia afetar os contrato de aluguéis dos lojistas de shoppings, que são reajustados pelo IGP-M. O indicador já está com uma alta de mais de 30% em 12 meses.

27,47%

Foi a perda de valor do setor aéreo na bolsa em 2020

Com atraso

"Sempre tivemos uma perspectiva positiva em relação à vacina. O governo federal talvez pudesse ter antecipado a compra das doses, mas o fato é que, agora, temos. Atrasado, mas temos."

Pedro Serra

Corretora Ativa