Título: Que ONU queremos?
Autor: Cândido Grzybowski
Fonte: Jornal do Brasil, 01/09/2005, Outras opiniões, p. A11

A Organização das Nações Unidas (ONU) - que em setembro agora, de 14 a 16, realiza uma Cúpula centrada na sua própria reforma - nasceu como resultado da vontade coletiva dominante no mundo de estabelecer condições políticas e institucionais multilaterais capazes de evitar novo genocídio e destruição em massa como a II Guerra Mundial. Um salto de civilização diante da barbárie. Com a simbólica queda do Muro de Berlim, começou a erosão do instável equilíbrio e o unilateralismo imperialista voltou com força, particularmente agora com a administração norte-americana de George W. Bush.

No plano econômico, um fundamentalismo de mercado a serviço das grandes corporações econômico-financeiras tomou conta e reduziu o poder dos Estados em promover e regular o desenvolvimento. No plano político e militar, guerreiros e terroristas dão as cartas. A simbólica referência dos Direitos Humanos, tendo a ONU como garantia, parece ceder lugar à lei do mais forte.

Ao mesmo tempo, cresce a consciência planetária de que isto não pode continuar. Há, de um lado, uma difusa consciência de humanidade, que aponta para todos os direitos humanos a todos os seres humanos. De outro, há uma forte e crescente consciência de que devemos promover o respeito à diversidade e pluralidade e não aos fundamentalismos excludentes.

Neste quadro, começa a se destacar um debate sobre o tipo de governança mundial necessária e possível. Encontros internacionais da sociedade civil organizada - como o Fórum Social Mundial 2005 (realizado em janeiro, em Porto Alegre) - mostram isto, pelo destaque que ganham iniciativas visando à refundação, transformação ou mudança da ordem mundial. Mas tal debate está longe de ser exclusividade de organizações da sociedade civil. Nem é predominantemente puxado por estas. O que importa é saber quão portadoras são as propostas.

A pesquisa de opinião realizada pelo Global Issues Monitor (Canadá) em parceria com o Secretariado Internacional do Fórum Social Mundial, em dezembro do ano passado, merece cuidadosa reflexão. Foram entrevistadas 19 mil pessoas em 19 países, de todos os continentes, exceto África. Os dados de três perguntas específicas sobre a democratização da ONU são expressivos.

Uma maioria ampla aponta a radicalização da democracia como o caminho a seguir na reconstrução da ONU. Em alguns países, a posição favorável a uma radical democracia é bem mais acentuada. Na Índia e Alemanha, 85% são favoráveis à eleição direta do representante de seu país para a Assembléia Geral. Até nos EUA 64% são favoráveis, apesar de 32% serem contra. Só na Rússia, mesmo majoritária, a opinião favorável é de 42%. No Brasil, a tendência é mais acentuada do que a média dos 19 países, com 77% a favor.

Quanto ao tema mais controvertido - a criação de um Parlamento Mundial na ONU, complementar a sua Assembléia Geral, com representantes eleitos diretamente por cidadãos e cidadãs - cabe chamar a atenção para México (80%) e Brasil (73%) liderando o grupo dos a favor. Nos EUA ganha a maioria a favor (55%); já na Rússia, mais uma vez, é pequena a população a favor (33%). Em relação à participação de atores políticos não-tradicionais na ONU, com líderes de ONGs, sindicatos e organizações empresariais, as posições mais favoráveis estão nos países emergentes - México (77%), Filipinas (72%), Indonésia (70%) e Brasil (69%).

Para organizações como o Ibase, os dados da pesquisa animam e mostram o tamanho da sua responsabilidade e de múltiplos parceiros militantes na arena internacional em transformar os desejos em propostas que pressionem governantes e negociadores multilaterais por mudanças profundas na ONU. Não somos loucos nem desconectados ao exigir, contra o unilateralismo e a guerra, uma ordem mundial multilateral que permita o desenvolvimento democrático e sustentável da humanidade. Muitas pessoas pensam assim. A hora é de agir.

*Cândido Grzybowski é diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).