Título: A crise do presidencialismo
Autor: Nelson Brasil de Oliveira*
Fonte: Jornal do Brasil, 01/09/2005, Outras opiniões, p. A11

O presidente Lula vem tentando destacar para a população que a economia brasileira atravessa seu melhor momento, apesar de toda a turbulência política. Realmente, sob o forte impulso do balanço comercial, o Brasil obteve em julho o maior superávit alcançado em um único mês desde 1947: US$ 2,59 bilhões em transações correntes do País com o exterior, conta esta que contabiliza o resultado das exportações e importações bem como o saldo entre receitas e despesas com serviços de juros e remessas de lucros e dividendos. O bom resultado na área de comércio exterior decorre do elevado valor das exportações que, a despeito da valorização do real, atingiu um patamar suficiente para compensar as maiores despesas havidas com as remessas ao exterior, decorrentes do aumento verificado na conta de serviços. Ocorre, porém, que a falta de perspectivas para uma solução da atual crise política, em cenário de juros altos e câmbio desfavorável, sinaliza para o adiamento de investimentos e a redução na atividade industrial nos próximos meses.

A Confederação Nacional da Indústria anunciou uma agenda mínima para romper a ''sensação de paralisia'' existente no Congresso Nacional e que, certamente, prejudica o ambiente econômico. Mas é oportuno e importante reiterar que tal paralisia decorre, essencialmente, da total ausência de instrumentos adequados, efetivos e ágeis para se administrar crises políticas no Brasil, dentro do ultrapassado regime presidencialista vigente.

Crises políticas, inclusive aquelas decorrentes de práticas não éticas ou amorais, com formas e significados distintos, existem em todas as democracias. Mas nos países de primeiro mundo governados pelo regime parlamentarista os ilícitos são punidos, os problemas são equacionados e solucionados rapidamente, sem prejuízo da atividade econômica e sem deixar seqüelas. Naqueles países que adotam o regime parlamentarista, desvios de conduta ou o mau exercício do mandato resultam, de forma ágil e não traumática, numa simples substituição do gabinete num primeiro momento ou, até mesmo, numa consulta à população para renovar mandatos eletivos.

Por outro lado, sob o jugo do sistema presidencialista - em vigor no Brasil e em grande número de países não desenvolvidos - tem-se uma ditadura parlamentar por prazo fixo, já que gabinetes não podem ser derrubados nem o Parlamento ser dissolvido. Políticos profissionais assumem o poder ao sabor de interesses pessoais, prolongando-se demasiadamente as crises institucionais e resultando enorme instabilidade econômico-social.

Soluções para as crises em governos parlamentaristas são rapidamente atingidas pelo voto de desconfiança do Parlamento ao gabinete executivo. Quando o problema afeta a maioria parlamentar, ou esta injustificadamente derruba o gabinete, o Chefe de Estado (presidente da República) dissolve o Parlamento e, de imediato, convoca eleições gerais, tornando o eleitor um partícipe real da vida pública, em vez de simples espectador televisivo. Cabe ao povo decidir quem apóia e quem reprova para o exercício de sua representação, e as crises ficam restritas ao campo político, isolados e respeitados os procedimentos penais conduzidos nos foros adequados.

Mas para tanto é preciso empreender uma reforma política radical - nada de meias solas, como se tem feito até agora. A vontade política da sociedade deve encontrar instrumentos legais para bem representá-la, de forma efetiva e ágil. Como no próximo ano teremos eleições gerais, o momento é propício para uma radical mudança do atual sistema político bolorento, que serve somente para os políticos profissionais dele se beneficiarem. A lei deve ser vigorosa o bastante para expressar a vontade popular de forma permanente, substituindo-se a ditadura do mandato fixo pela possibilidade da legítima mudança de governo por pressão popular, sem quarteladas como ocorreu no passado. A possibilidade de rápida alternância de poder, que é freqüentemente apresentada como uma fraqueza do parlamentarismo, na verdade constitui a sua maior virtude, como ficou demonstrado na Itália do pós-guerra. Ela dá a flexibilidade necessária para se governar em tempos de crise, sem prejuízo da estabilidade das instituições e do sistema econômico.

É oportuna a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para o próximo ano - uma eleição em que o povo escolheria seus representantes dentre listas de nomes ilustres que seriam propostos pelos partidos políticos, os quais não poderiam concorrer ao período legislativo seguinte. O objetivo seria elaborar uma verdadeira Constituição Cidadã, como queriam o saudoso Ulysses Guimarães e inúmeros outros parlamentares que honraram o Poder Legislativo e a Nação. Uma Constituição efetivamente feita para o povo, sem a intermediação dos políticos profissionais que tomaram conta dos partidos. Igualmente importante é a reforma dos partidos políticos com o objetivo de dar conteúdo programático e vincular seus representantes.

A reforma brasileira tem que ser radical, sob pena de nos afundarmos numa nova crise em futuro próximo. Porque a verdadeira crise é a do presidencialismo.

*Vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina)