Título: Mais de mil mortos em procissão xiita
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Fonte: Jornal do Brasil, 01/09/2005, Internacional, p. A12
Boato sobre homem-bomba transformou festa religiosa em tragédia. Sunitas assumiram ataque somente contra mesquita
BAGDÁ - O rumor de que havia um homem-bomba entre mais de um milhão de peregrinos xiitas que marchavam em direção à mesquita de Kadhimiya, na celebração de uma festa religiosa na manhã de ontem, levou pânico aos iraquianos fazendo com que um número estimado em mais de mil pessoas morressem pisoteadas e afogadas no incidente na ponte sobre o rio Tigre, ao Norte de Bagdá. A correria deixou cerca de 400 feridos. Muitos fiéis continuam desaparecidos.
Mulheres, crianças e idosos foram as principais vítimas, encontrando dificuldade para fugir. Muitas pessoas começaram a se atirar no rio quando souberam do boato. Na correria, corpos eram vistos no caminho.
Minutos depois do início da tragédia, o local ficou ainda mais cheio, com pessoas que vinham de todas as partes em busca dos sobreviventes. Ambulâncias tentavam em vão penetrar na multidão.
Horas antes, no entanto, sete pessoas morreram e 36 ficaram feridas em um ataque rebelde com morteiros perto do templo para onde se dirigia a procissão. Um grupo sunita, o Exército da Seita Vitoriosa, que se diz ligado à rede Al-Qaeda, assumiu a autoria do atentado em um comunicado na internet.
Tiros foram disparados de helicópteros americanos contra os militantes terroristas. Os soldados prenderam mais de dez suspeitos, informaram as forças de segurança.
Depois, soube-se que fiéis foram hospitalizadas e morreram envenenados com a comida e a água distribuídas no caminho. Os xiitas foram então recomendados a só aceitar mantimentos de agentes com distintivos e tiveram que seguir o trajeto com sede, fazendo com que a procissão na abafada Bagdá se tornasse exaustiva. Muitos fiéis ficaram desorientados.
O último alarme veio quando xiitas começaram a gritar que haviam homens-bombas infiltrados na multidão. A tragédia foi a pior desde a invasão americana, em 2003. Foi também o segundo incidente em números de vítimas em procissões islâmicas. Em 1990, a dispersão descontrolada de peregrinos em Meca matou 1.426 pessoas.
Na confusão de ontem, as grades da ponte se romperam levando centenas de pessoas à água. Além disso, barricadas de arame farpado encontravam-se no local, causando congestionamento. Ao caírem no rio, os peregrinos foram atolados por barreiras de concreto que cederam da estrutura. Autoridades investigam, além da origem do boato, prováveis defeitos técnicos na estrutura.
- A tragédia vai deixar uma cicatriz em nossas almas e será lembrada junto com os que morreram vítimas de atos terroristas - declarou o presidente iraquiano Jalal Talabani.
A marcha de ontem celebrava o martírio do Imã Moussa al- Khadem, importante líder enterrado na mesquita de Khadimiya. A ponte que leva ao local estava fechada há meses e foi reaberta para a que os fiéis fizessem a travessia, descalços, como manda a tradição. Ela separa a cidade da sunita Adhamiyah da xiita Khadimiya. Ambas têm em comum terem templos importantes.
A festa xiita havia sido proibida no regime de Saddam Hussein e, este ano, era aguardada com expectativa, por simbolizar o novo governo, que tem o grupo à frente. Entretanto, o dia escancarou o cenário violento e de ruptura que assola o país, tendo no conflito entre xiitas e sunitas um impasse para sua reconstrução
O primeiro-ministro, Ibrahim al-Jaafari, que anunciou três dias de luto, tentou acalmar a população, pedindo que os iraquianos sejam ''pacientes com as circunstâncias atuais'' e conclamou xiitas, sunitas e cristãos a ''pensarem a favor do Iraque''.
Mais tarde, no entanto, seu discurso mudou de tom:
- Sentimos que houve um esforço para provocar e disseminar um conflito. Não há dúvidas de que essa operação terrorista não difere do ataque anterior - declarou à TV estatal.
Para o ministro da Defesa, o sunita Al-Dulaimi, no entanto, as únicas pessoas a morrerem pelas mãos de insurgentes foram as sete atingidas pelos morteiros:
- O que aconteceu não tem ligação nenhuma com a tensão sectária - disse à TV iraquiana, referindo-se ao confronto étnico entre sunitas e xiitas. Segundo o ministro, a segurança foi reforçada desde a semana passada em Bagdá e em cidades do Sul, no conhecido Triângulo da Morte, para proteger os fiéis.
- Quem atirou os morteiros? Quem disseminou o pânico na ponte? - perguntou o ministro da Saúde, Abdul Mutalib Mohammad Ali, referindo-se aos sunitas. Líderes do grupo, por sua vez, enviaram condolências às famílias das vítimas e pediram calma.
- Essa é a mais chocante e terrível tragédia iniciada pelo terrorismo e numa escala que quase desafia a imaginação - declarou o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Jack Straw.