O Globo, n. 32778, 05/05/2023. Opinião, p. 2

Restaurar controles da LRF é crítico no arcabouço fiscal



É feliz e desejável a intenção do deputado Cláudio Cajado (PP-BA), relator do projeto do novo arcabouço fiscal, de restaurar as obrigações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), deixadas de lado na versão encaminhada ao Congresso pelo governo. O texto que ele deverá levar adiante para discussão ainda não veio a público, mas o caminho apontado em reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece ser o melhor possível para aperfeiçoar as lacunas da proposta.

Pelos termos da LRF em vigor, há uma avaliação bimestral do cumprimento das metas. Caso elas estejam em risco, o governo tem a obrigação de bloquear gastos por meio do mecanismo conhecido como “contingenciamento”. Trata-se de uma garantia de que o Estado fará o melhor possível para cumprir o compromisso de resultado primário. O texto do arcabouço entregue pelo governo prevê três relatórios anuais de acompanhamento, mas o desobriga de bloquear gastos se a meta estiver ameaçada. Na prática, acaba funcionando como incentivo à incúria fiscal.

Restaurar o bloqueio é medida essencial para que haja alguma chance de o novo arcabouço funcionar. Outra medida fundamental é manter, em caso de descumprimento da meta fiscal, a punição ao presidente por crime de responsabilidade, no limite sujeito a impeachment. O texto encaminhado ao Congresso apenas impõe que ele assine uma carta enviada ao Parlamento com suas justificativas. É o equivalente a trocar a ameaça de uma sanção grave por uma obrigação burocrática. Mais um incentivo à incúria fiscal.

A mecânica do arcabouço apresentado ao Congresso já é, por si só, objeto de críticas consistentes de economistas respeitados e dos maiores especialistas em contas públicas. Ao imporem às despesas um crescimento anual acima da inflação entre 0,6% e 2,5%, sem criar ajuste equivalente nas rubricas vinculadas constitucionalmente às receitas (como saúde e educação), as novas regras acabarão por comprimir os recursos disponíveis para os demais gastos ao longo do tempo. Fora isso, o impacto na Previdência do reajuste real do salário mínimo, o piso salarial da enfermagem e outras obrigações criadas pelas PECs da Transição e dos Precatórios estabelecem um ponto de partida elevado para os gastos em relação ao PIB, gerando uma situação em que será necessário um aumento brutal na arrecadação para o governo cumprir as metas.

Esse risco é intrínseco ao arcabouço e parece incontornável. Dificilmente a mecânica das regras apresentadas pelo Executivo mudará no Congresso, a não ser que se resolva recriar um teto para os gastos sob uma nova roupagem. Com o enfraquecimento dos controles e sanções da LRF, porém, não haverá apenas probabilidade alta, mas incentivo ao descumprimento das metas. Seria inaceitável.

O governo não pode criar uma regra apenas para fingir que está fazendo algo em nome das contas públicas, sabendo que no final ela será descumprida e nada acontecerá.