Correio Braziliense, n. 21495, 22/01/2022. Brasil, p. 5

Saúde ignora Conitec e mantém o kit covid

Maria Eduarda Cardim
Gabriela Bernardes*


O Ministério da Saúde rejeitou, em portarias publicadas, ontem, no Diário Oficial da União (DOU), as diretrizes da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao Sistema Único de Saúde (Conitec) de não utilização de medicamentos do chamado “kit covid” para tratamento em pacientes do SUS infectados com a covid-19. Na prática, a decisão mantém o país sem uma recomendação oficial de como antender aos pacientes infectados, após quase dois anos de pandemia.

A recusa em sepultar o “kit covid” — que inclui cloroquina, azitromicina e ivermectina — foi materializada em uma nota técnica do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério, Hélio Angotti Neto. Ele defendeu a manutenção das duas substâncias a partir do “princípio bioético da beneficência”. Disse, ainda, que há evidências que demonstram impacto positivo, mesmo que ainda “não sejam de nível máximo de qualidade”. Angotti cita o “respeito à autonomia profissional” e a “necessidade de não se perder a oportunidade de salvar vidas”.

“Em termos de autonomia, visando sempre ao bem do paciente e ao aproveitamento da oportunidade de salvar vidas que é imperativo na prática médica profissional, há que se falar em uma cooperação de princípios no âmbito tanto do tratamento ambulatorial — que não é sinônimo de tratamento precoce na metodologia adotada na formulação das Diretrizes — quanto do hospitalar”, salienta a nota.

A Conitec é o órgão ligado ao Ministério da Saúde responsável pelos protocolos clínicos e diretrizes de saúde. Entre os documentos ignorados, está o estudo Diretrizes Brasileiras para Tratamento Medicamentoso Ambulatorial do Paciente com Covid, que rejeita o uso das substâncias do kit covid e de outros medicamentos sem eficácia para tratar a doença em pacientes que estão em tratamento ambulatorial ou hospitalar. As normas que regulamentam o tratamento hospitalar estavam engavetadas na pasta desde junho do ano passado.

“Viés político”

Entre as razões para barrar as diretrizes da Conitec, Angotti também acusou os estudos de seguirem um “possível viés na seleção de estudos e diretrizes” e condenou o trabalho da imprensa e da CPI da Covid. Para o secretário, houve “repetidos vazamentos de informações com intenso assédio da imprensa e de agentes políticos da CPI da Covid sobre membros da Conitec”. Por isso, segundo ele, a elaboração das diretrizes “passou por processos de grande tumulto”, o que “pode ter pressionado membros da Conitec”.

“Compreende-se que o contexto da pandemia levou à intensa politização no âmbito da saúde pública e privada em todo o mundo, o que acrescenta risco de difícil mensuração à qualidade assistencial prestada à população. Conclui-se que o cenário de elaboração das Diretrizes Terapêuticas sofreu pressões diversas devidas ao complexo cenário da atualidade, o que pode ter influenciado subjetivamente todo o processo”, escreveu Angotti, que é conhecido por suas ligações com o presidente Jair Bolsonaro, defensor da prescrição da cloroquina contra a covid.

 *Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

 Frase

"Conclui-se que o cenário de elaboração das Diretrizes Terapêuticas sofreu pressões diversas devidas ao complexo cenário da atualidade, o que pode ter influenciado subjetivamente todo o processo”

Trecho da nota assinada por Hélio Angotti Neto, insinuando que a Conitec foi pressionada a vetar o kit covid