O Globo, n. 32776, 03/05/2023. Mundo, p. 18

Distúrbios no Paraguai



Candidatos derrotados na eleição presidencial paraguaia exigiram, ontem, uma auditoria independente e a recontagem dos votos que deram, no domingo, a vitória a Santiago Peña, do Partido Colorado, sigla no poder há sete décadas (com a exceção de um intervalo de quatro anos entre 2008 e 2012). Ao menos 70 apoiadores do político antissistema Paraguayo Cubas, terceiro colocado na disputa, foram detidos após irem às ruas em protesto, incitados pelas denúncias de fraude, até agora sem embasamento, do ex-candidato.

Apoiadores de Cubas se reuniram na frente do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TSJE) para a denunciar suposta fraude, pouco após o candidato questionar a legitimidade da votação. O admirador dos ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro disse em vídeo nas redes sociais que a polícia “defende” os colorados e instou apoiadores a irem às ruas:

— Adiante, povo paraguaio, vamos marchar por esse país porque não aguentamos mais essa situação! — disse Payo Cubas, como é conhecido. —Que morram por essa causa se for necessário!

60 vias bloqueadas

Segundo a polícia, ao menos 10 agentes de segurança ficaram levemente feridos em confrontos com os apoiadores de Cubas. Incidentes foram registrados nas regiões de Assunção, Central, Guaiará e Amambay. Na Ponte Remanso, que cruza o Rio Paraguai ligando o leste ao oeste do país, uma viatura policial foi incendiada. Em frente ao TSJE, na capital, a polícia precisou usar balas de borracha para dispersar os manifestantes.

Ao menos 60 vias foram bloqueadas pelo país, inclusive no departamento do Alto Paraná, onde vive Cubas. O comissário de polícia Gilberto Fleitas disse que 95% das rotas já foram liberadas. As escolas do país abriram normalmente, mas houve complicações no serviço de ônibus interurbanos.

Segundo o TSJE, com 99,94% das mesas de votação computadas na apuração preliminar, Cubas teve 22,91% dos votos, consolidando-se como a terceira força política. O vencedor Peña teve 42,74%, contra 27,48% de Efraín Alegre, candidato da Concertação Nacional (formada por 14 partidos de centro e centro-esquerda). Não há segundo turno.

Os números se referem à Transmissão de Resultados Eleitorais Preliminares (Trep), mecanismo que começou a ser implementado em 2000 e que permite maior celeridade nas apurações. A mesa emite um certificado preliminar, que é posto em uma rede fechada e contabilizado em um sistema seguro, que permite saber o vencedor do pleito horas após a eleição.

As atas, em seguida, são analisadas e contadas pela Justiça Eleitoral, em um processo que leva mais tempo e é mostrado ao vivo pelo YouTube — críticos, contudo, dizem que a transmissão não é suficientemente clara. O diretor de Processos Eleitorais do Tribunal Superior de Justiça, Carlos María Ljubetic, rechaçou em entrevista coletiva a possibilidade de fraude e disse que o resultado do processo será o mesmo do Trep.

— O software foi talvez o mais revisado, fiscalizado e auditado do mundo — disse ele, lembrando que o pleito foi acompanhado por observadores internacionais. — Não podemos dizer que houve fraude porque um candidato teve menos votos do que achava que teria.

Voto eletrônico

A eleição de domingo foi o primeiro pleito presidencial do país a adotar um sistema eletrônico para o voto —antes, o software da empresa argentina MSA havia sido usado apenas em eleições regionais em 2022 e nas municipais do ano anterior. Diferentemente do Brasil, os eleitores paraguaios selecionam os candidatos e imprimem seus próprios votos, que são depositados em uma urna.

Ontem, a Concertação Nacional, coalizão de Alegre, segundo colocado no pleito, pediu formalmente ao TSJE a realização de verificações aleatórias de 10% das cédulas e uma auditoria internacional para esclarecer as dúvidas de alguns setores políticos sobre as eleições. Na nota assinada pela coalizão, exigese “a contagem de 10% dos votos impressos de cada local de votação”, sem, porém, citar a palavra “fraude”.

Alegre já havia questionado mais cedo o resultado da eleição, pedindo que o TSJE fizesse “de imediato” uma contagem manual de 10% das mesas escolhidas aleatoriamente em cada colégio eleitoral. Demandou que também houvesse imediatamente uma “auditoria internacional independente” do software usado pelas urnas eletrônicas do país. Seu partido, no entanto, não apoiou as críticas sobre a lisura do pleito.

‘Coisas sem sentido’

O quarto colocado no pleito de domingo, Euclides Acevedo, do Movimento Político da Nova República, também questionou a legitimidade dos números do TSJE nas redes sociais. Até o momento, o órgão eleitoral disse não ter recebido nenhuma denúncia formal de fraudes no sistema rápido ou na apuração regular.

O ministro do TSJE César Rossel defendeu a transparência da eleição. Segundo ele, cada mesa de votação tinha a presença de dois opositores, os procedimentos eram publicamente conhecidos há meses e o pleito foi acompanhado por observadores da OEA e da União Europeia.

— São surpreendentes certas declarações, não posso entender — disse, chamando a desinformação de “impressionante, baseada em coisas que não fazem sentido” e alegando que as denúncias de Cubas e seus apoiadores são “paranoias que as pessoas enviam por WhatsApp”.

— As eleições são limpas, transparentes e controladas.