Título: Conversa com cardápio mineiro
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 02/09/2005, País, p. A2

O governador Aécio Neves e o ex-presidente Itamar Franco almoçaram ontem em Belo Horizonte. Assumiram dois compromissos: recuperar a presença de Minas na direção da política nacional e não colidirem pessoalmente no processo sucessório que se inicia. Em Minas, esses encontros fazem parte da tradição histórica. Há sempre, mesmo entre adversários velhos, o costume de buscar o entendimento por cima, em defesa dos interesses da província. Como disse Bueno Brandão, ao declarar que certos princípios estão acima das conveniências pessoais, "é preferível cair com Minas, a cair em Minas". Cair em Minas é cair como caiu um mineiro eminente e pessoalmente honrado, o senador Augusto Viana do Castello, ministro da Justiça do presidente Washington Luís, que se prestou a articular e coordenar a candidatura de Júlio Prestes, contra os mineiros. Viana do Castello viveu os anos restantes de sua existência - depois da Revolução de 30 - no mais absoluto ostracismo e, se não fosse a Prefeitura de Contagem, que deu seu nome a uma avenida naquela cidade, Viana do Castello estaria apagado da memória dos mineiros, menos, é claro, da dos descendentes. Em Minas há sempre gratidão, e não falta memória punitiva. Itamar e Aécio já têm atuado juntos nessa defesa dos interesses mineiros. Foi graças ao apoio de Aécio, quando Itamar governava Minas, e o atual governador presidia a Câmara dos Deputados, que se interrompeu o processo de privatização de Furnas. Itamar, por outro lado, deu apoio político a Aécio, para que lhe viesse a suceder no Palácio da Liberdade. Há uma realidade federativa, acima dos partidos, que determina os movimentos gerais da política. Em razão disso, nunca prosperam, realmente, as verticalizações casuísticas. A política se desenvolve em esferas próprias. E é essa realidade, talvez mais nítida em Minas, que orienta seus homens públicos.

Itamar Franco traz fortes credenciais para intervir no processo sucessório. De tal maneira comportou-se na chefia do governo e do Estado que pôde restaurar a dignidade da Presidência da República e, sem apelar para o mal chamado marketing político, construiu a reputação que o fez cometer talvez o maior erro: o de eleger, com seu prestígio, o sucessor, em quase tudo seu oposto. Os inimigos viam-lhe a modéstia como defeito, e a desdenhavam. Os leitores sabem o que ocorreu depois, com o desmoronamento do Estado e o abastardamento de grande parte do Congresso. Sem negócios que lhe dessem lucros e juros, e sem seguir outros, que não se acanham em montar escritórios suntuosos com o subsídio dos amigos ricos, Itamar aceitou os cargos diplomáticos que lhe foram oferecidos. Volta agora ao Brasil, para reintegrar-se à vida política, e, ao que se informa, permanecerá no PMDB. O partido, dominado na época pelo presidente da República, negou-lhe a legenda em 1998. Muitos dos que o combateram deixaram a sigla ou foram marginalizados. Houve, entre os encarniçados inimigos, os que renunciaram ao mandato e outros que provavelmente o percam agora, como Sandro Mabel, que levou de Goiânia a Brasília desordeiros para tumultuar a convenção do PMDB contra a candidatura de Itamar.

Essas credenciais fazem de Itamar um grande eleitor nas eleições a vir. Ele poderá apoiar o governador Aécio Neves, em uma aliança partidária mineira, e receber do governador o apoio, qualquer que seja a postulação eleitoral de ambos. Cautelosos, Itamar e Aécio, como bons mineiros, não constroem cenários de papel. Ambos têm compromisso maior com Minas. Mesmo que o governador venha a apoiar uma candidatura presidencial de seu partido, estranha a Minas, e Itamar estiver em outro palanque não disputarão o mesmo cargo. Eles sabem que, unidos, poderão contar com a maioria dos mineiros para defender o Estado. Se estiverem separados, Minas corre o risco de continuar à margem, como se encontra desde o golpe militar de 1964 - salvo o breve intervalo em que, com Itamar, governou o Brasil com reconhecida austeridade e patriotismo.