O Globo, n. 32774, 01/05/2023. Política, p. 4

Tensão rural

Jeniffer Gularte


Em mais um capítulo dos atritos entre o governo e o agronegócio, a inclusão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, o chamado “Conselhão”, aumentou as críticas de representantes do setor à gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. O anúncio foi feito um dia após o Banco do Brasil retirar o patrocínio que daria à Agrishow, uma das maiores feiras de agronegócio do país, realizada em Ribeirão Preto (SP). A decisão foi uma retaliação ao evento, que “desconvidou” o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, devido à participação do expresidente Jair Bolsonaro. Após o mal-estar, a Agrishow cancelou a cerimônia de abertura que ocorreria hoje.

O Conselhão foi formado em março para auxiliar o Executivo sobre políticas públicas, mas ainda não se reuniu. Para integrantes da bancada ruralista do Congresso, a proximidade com o movimento compromete o diálogo com o Executivo.

— Não tem chances de sentarmos com quem senta com MST. Sentou com MST, não senta com agro. O governo é refém do MST e está fechando as portas ao agro —afirmou ao GLOBO o deputado Evair de Melo (PP-ES), vice-presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), nome oficial da bancada ruralista.

O convite para o MST integrar o Conselhão foi feito no sábado pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em visita à cozinha escola do grupo em São Paulo.

O GLOBO apurou que o “desconvite” dos organizadores da Agrishow a Fávaro irritou Lula, que considerou o episódio desrepeitoso. Na avaliação de integrantes do Planalto, a decisão pela retirada do patrocínio do BB foi necessária para demarcar um “limite institucional”, pois não faria sentido um banco público patrocinar um evento que serviria de palco político para Bolsonaro.

Apesar do cancelamento da cerimônia de abertura da Agrishow, Bolsonaro foi recebido ontem por centenas de apoiadores ao desembarcar em Ribeirão Preto. Eles entoavam gritos da campanha eleitoral e, a exemplo do que ocorreu ao longo do mandato, o ex-presidente participou de uma motociata pela cidade.

Fávaro usaria sua participação na Agrishow para fazer anúncios de linhas de crédito do Plano Safra, o que deve fazer agora em uma reunião que já estava agendada com a FPA amanhã. Interlocutores do ministro afirmam que ele quer aproveitar o encontro para serenar os ânimos, dizendo que o episódio com a Agrishow não irá gerar qualquer retaliação ao produtor rural ou aos fabricantes de máquinas. A mesma postura foi adotada pelo BB, que apesar de cancelar o patrocínio à feira, informou que estará presente por meio de estande comercial para realizações de negócios. De acordo com o banco público, a expectativa é movimentar R$ 1,5 bilhão no evento.

Embora Fávaro tenha condenado invasões de terras promovidas pelo MST, acentuadas no mês passado durante o chamado Abril Vermelho, ele também tem se tornado alvo dos ruralistas, que cobram do governo ações concretas para coibir essas ações.

Convocações

Integrantes da bancada ruralistas, que na semana passada conseguiram tirar do papel a CPI do MST na Câmara, pretendem apresentar nesta semana requerimentos para convocar Fávaro — além de Padilha, o ministro Paulo Pimenta (Comunicação Social) e representantes do BB —para explicarem tanto o episódio envolvendo a Agrishow quanto o convite para o MST no Conselhão.

— Não tem nada por acaso, é método. São aliados de primeira hora. É o governo que protege esses bandidos — afirmou o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PPPR), citando a presença do líder do MST, João Pedro Stédile, na comitiva presidencial que viajou com Lula à China, no mês passado.

O clima de tensão se acentuou neste domingo após um grupo de sem-terra invadir uma propriedade da família da senadora Teresa Cristina (PP-MS), em Mato Grosso do Sul. Eles foram retirados após a chegada da Polícia Militar. Em nota, o MST negou relação com o caso. “Repudiamos a tentativa de vincular a luta do MST à ação ocorrida na propriedade ligada à senadora. Em um momento de avanço da criminalização contra o MST, através, por exemplo, da instalação de uma CPI ilegal contra nós, tais vinculações só servem para incitar a sociedade contra a luta legítima do movimento”, disse.