Título: Tragédia aumenta tensão em Bagdá
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/09/2005, Internacional, p. A14

Começaram ontem os funerais das vítimas da tragédia que matou cerca de mil pessoas durante uma procissão em que mais de um milhão de xiitas participavam, na quarta-feira. No dia seguinte ao incidente, a atmosfera era de tensão entre o grupo e sunitas, e um tiroteio perto da ponte Al-Aimah, por onde seguiam os peregrinos, deixou uma criança morta e sete feridos. O governo anunciou indenização de US$ 2 mil para os parentes dos que morreram. Iraquianos passaram o dia buscando notícias de desaparecidos em hospitais e procurando objetos abandonados nas proximidades da ponte. Pares de sapatos, garrafas e outros objetos começaram a ser recolhidos por tratores e fiéis esperançosos em achar vestígios de parentes e amigos.

Muitos corpos foram levados na quarta-feira à cidade sunita de Adhamiyah:

¿ Que esta ponte, que nos separa, nos una ¿ disse um xiita ao saber que peregrinos de sua comunidade haviam sido transportados para a zona vizinha.

A dimensão do incidente fez com que hospitais e necrotérios ficassem lotados. O armazenamento de corpos foi improvisado em caminhões frigoríficos, onde pessoas entravam para reconhecer os mortos.

Em Cidade Sadr, faltavam caixões, e os religiosos passaram a noite confeccionando lençóis para cobrir cadáveres.

Najaf, a 160 km ao Sul de Bagdá, recebeu comboios de fiéis que levaram as vítimas para serem enterradas no Vale da Paz, cemitério na cidade santa.

Os iraquianos exigem respostas do governo para a ineficiência dos serviços de segurança, que quase não apareceram no resgate das vítimas:

¿ Meu filho está sumido ¿ disse Sabih Mudisher ¿ Já tentei todos os serviços de emergência, mas eles não ajudam. Está certo o que o governo está fazendo? ¿ criticava o xiita.

Nadadores que treinavam no clube de Adhamiyah lamentaram que a polícia fluvial não tenha ajudado os peregrinos ¿ muitos morreram afogados.

¿ No início, achamos que era suicídio coletivo, afirmou Thaer Razzak, de 19 anos. ¿ Não sabia por onde começar, mas optei por salvar crianças.

A polícia assumiu não possuir recursos suficientes. Um funcionário afirmou não ter mergulhadores e que seus tanques de oxigênio são obsoletos.

O governo, por sua vez, aposta na versão de líderes xiitas ¿ que acusam sunitas de disseminar o boato e iniciar o tumulto ¿ para passar por cima das críticas. O primeiro-ministro, Ibrahim Jaafari, qualificou de terrorista o episódio:

¿ Testemunharemos um forte combate ao terror. Vamos golpear esses assassinos e `saddanistas¿ ¿ disse Jaafari.

¿ Este crime odioso é uma demonstração da selvageria dos terroristas ¿ afirmou o presidente iraquiano, Jalal Talabani, que recebeu o apoio do colega francês Jacques Chirac.

Centenas de xiitas fizeram um protesto na ponte, gritando slogans que culpavam o líder da Al-Qaeda no Iraque, Abu Musab al-Zarqawi. O terrorista já defendeu diversas vezes a guerra sectária entre os grupos rivais. Soldados iraquianos, que não sabiam da manifestação, abriram fogo contra os militantes. Três ficaram feridos.

Em Adhamiyah, sunitas dispararam contra a ponte, que leva à vizinha xiita. Moradores responderam, iniciando um tiroteio. Uma criança morreu.

A capital iraquiana também foi palco ontem das primeiras execuções do novo governo que se quer democrático. A prática era comum na ditadura de Saddam Hussein. Três acusados de assassinato, seqüestro e estupro foram enforcados, inaugurando a pena no novo Iraque.