O Globo, n. 32747, 04/04/2023. Opinião, p. 2

Marco fiscal precisa de ajuste para dar certo



A proposta de novo arcabouço fiscal do governo pretende dar previsibilidade à trajetória da dívida pública e limitar o aumento de gastos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou a intenção de zerar o déficit primário em 2024 e de alcançar superávits em torno de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026. As metas ambiciosas são o primeiro compromisso público da gestão Luiz Inácio Lula da Silva com a responsabilidade fiscal. Pelo que foi apresentado até agora, contudo, será preciso melhorar muito a proposta para que elas tenham chance de ser cumpridas.

Haddad nega intenção de aumentar a carga tributária, mas, pela regra exposta, o objetivo de reduzir a dívida bruta do governo será inatingível sem isso. Será preciso aumentar a receita em torno de 1 ponto percentual do PIB já neste ano. Como será recomposta a arrecadação para cumprir a meta agressiva? O governo fala em combater o patrimonialismo, a apropriação do Estado por segmentos injustamente beneficiados.

Na lista estão fundos de investimentos, empresas de apostas on-line e companhias com isenções tributárias dos mais variados tipos. A estimativa é um reforço no caixa entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões. Faltam detalhes sobre a viabilidade de aprovação das medidas necessárias no Congresso ou sobre o risco de judicialização. Sem esse aumento na carga tributária, a conta não tem chance de fechar. Outro perigo é que se criem despesas permanentes lastreadas em receitas temporárias.

No lado dos gastos, diversos outros pontos despertam dúvida. O primeiro é a vinculação constitucional das despesas de saúde e educação à receita. Como, pela regra, a despesa total tenderia a crescer menos que a arrecadação, a tendência é essas duas rubricas ocuparem mais espaço no Orçamento. O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirma que uma proposta de correção será discutida mais para a frente. Mas, se o objetivo é um marco fiscal com credibilidade, ela precisa ser debatida imediatamente.

Outra dúvida: o governo prevê um piso para os investimentos públicos, incluindo o Minha Casa Minha Vida, da ordem de R$ 75 bilhões, corrigidos pela inflação do ano anterior e impulsionados sempre que a arrecadação crescer. Novamente, será criada mais uma rubrica que tende a consumir espaço das demais no Orçamento.

É certo que, na comparação internacional, o investimento público no Brasil é baixo como proporção do PIB, em razão das despesas orçamentárias engessadas. Mas não será criando uma nova rubrica engessada que se resolverá o problema. A intenção de todo ano aumentar gastos pelo menos 0,6% além da inflação se choca com a realidade em que só as despesas (obrigatórias) com Previdência (45% do Orçamento) têm aumentado mais de 1,5%.

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Lula e sua equipe demonstraram ter feito o diagnóstico correto ao prometer dois anos de superávit antes do final do governo, mas só cumprirão a promessa se o novo arcabouço fiscal sofrer ajustes. Sem eles, sua credibilidade fica em xeque. Deveriam ser prioridade antes do envio ao Congresso.