O Estado de S. Paulo, n. 46643, 01/07/2021. Política, p. A8

A impotência do Jair

William Waack


Não deve ser fácil para o tipo de autoestima que Jair Bolsonaro exibe ter de admitir-se impotente. Foi o que aconteceu em relação ao “rolo” no Ministério da Saúde de cuja existência aparentemente tinha conhecimento. E que deixou rolar, pois se considerava impotente para fazer qualquer coisa. 

Na verdade, Bolsonaro é impotente diante do mais velho esquema patrimonialista brasileiro, graças ao qual ele sobrevive no Planalto enquanto ajuda a promover o retrocesso que esse esquema representa. É tudo tão arcaico quanto a política de clientelismo brasileira: um bem escasso (vacinas) é controlado por órgão público (Ministério da Saúde) que é feudo de algum partido. Ao deter parte da máquina pública, o político dono do feudo distribui ou canaliza recursos para atender aos seus interesses (de toda ordem) ou os de empresas privadas, das quais também cobra alguma vantagem. 

O que a CPI da pandemia ainda não descobriu é quanto custou esse “serviço de influência” política que garantiria a uma empresa privada mercadoria que iria revender com lucro excepcional (na Rússia e na China muitos se tornaram bilionários exatamente assim). As coisas pareciam muito promissoras, pois a empresa em questão já estava recebendo pagamentos antes mesmo da chegada de uma só dose da vacina que se propunha comprar na Índia – tal é a certeza, na ponta da compra e na ponta da venda, de como funcionam negócios via influência política em órgãos públicos. 

Não, não foi Bolsonaro que conduziu o País a esse estado no qual forças políticas se organizam para se aproximarem do cofre e da máquina públicas transformados em ferramentas para benefício próprio – e nem se está falando de corrupção. Nesse sentido, os “donos do poder” sempre foram os mesmos, os métodos nunca se diferenciaram muito e num momento de sincericídio – a julgar pelo relato de um dos acusadores na CPI da pandemia – o presidente confessou ser impotente diante do “rolo”. 

A impotência presidencial – Bolsonaro não sabe o que é “agenda política”, que confunde com vociferar a bajuladores – ajuda o retrocesso em vários campos de enorme amplitude e nos quais o chamado Centrão tem um interesse direto, e que estão sendo atacados no momento. Entre eles, os da reforma política eleitoral e reforma tributária, fora a administrativa. Para trás já ficou outra importante, a da privatização da Eletrobrás, desfigurada por essas mesmas forças empenhadas em garantir vantagens setoriais.