O Globo, n. 32748, 05/04/2023. Economia, p. 15

Haddad: não há 'plano B' para receita de R$ 90 bi

Renan Monteiro
Alice Cravo
Geralda  Doca
Ivan Martínez-Vargas


O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou ontem que o governo não precisa de um “plano B” para a medida que prevê receita adicional de R$ 85 bilhões a R$ 90 bilhões. A proposta, que está sendo estruturada, busca proibir que empresas com incentivos fiscais concedidos por estados, via ICMS, possam abater esse crédito da base de cálculo de impostos federais (IRPJ e CSLL). O crédito só poderá ser abatido se for destinado a investimentos, e não a custeio.

— Nenhum país que eu conheço subvenciona custeio. Vamos separar custeio de investimento e dar transparência —disse.

— Não vamos fazer ‘jabuti’ (assunto sem relação com o tema original de um projeto de lei incluído na proposta), vamos fazer as coisas transparentes. Lei bem feita não tem plano B, Lei do Real não teve plano B —afirmou, em rápida entrevista a jornalistas no Ministério da Fazenda.

Depois da Páscoa

A receita de até R$ 90 bilhões compensaria grande parte do que o governo precisa para viabilizar o arcabouço fiscal no longo prazo. A nova âncora para as contas públicas prevê déficit primário (antes do pagamento dos juros da dívida pública) zerado no próximo ano e superávits a partir de 2025. Pelo atual parâmetro, a proposta precisaria de incremento de receita entre R$ 110 bilhões a R$ 150 bilhões, segundo o ministro da Fazenda.

No curto e médio prazo, o Ministério da Fazenda está estruturando uma série de medidas para aumentar a receita do governo —a principal é a proposta para diferenciar custeio de investimento da base de cálculo de impostos federais.

No longo prazo, o governo conta com a reforma tributária e espera aumentar a arrecadação ao corrigir “distorções” no atual sistema de tributação.

O ministro, em São Paulo, afirmou que é preciso cortar o que chamou de distorções do sistema tributário brasileiro. Segundo ele, sem aprovar o novo arcabouço fiscal para substituir o atual teto de gastos (âncora atual que limita o crescimento das despesas públicas à inflação), o governo federal precisaria cortar R$ 30 bilhões em despesas obrigatórias (pensões, salários dos servidores), inclusive programas sociais “caros à sociedade”.

—São muitas distorções do sistema tributário. Ontem eu conversava com o Roberto Campos Neto (presidente do Banco Central) aqui e ele dizia que as distorções que ele identificou com sua equipe somam R$ 300 bilhões. (...) Estamos falando de fazer correção que pode ser feita por projeto de lei ordinária, e está provado que tem trazido efeitos muito ruins para a economia brasileira. Só uma medida representa 50% do Bolsa Família para meia dúzia de pessoas que estão se valendo de uma interpretação de alguns juízes, nem está consolidado esse entendimento — ressaltou Haddad, ao falar por videoconferência a investidores e analistas em evento promovido pelo Bradesco BBI em São Paulo.

Em Brasília, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, após participar da audiência do grupo de trabalho da reforma tributária no Congresso, afirmou que o governo vai esperar a Páscoa para encaminhar o projeto do arcabouço ao Legislativo. Segundo a ministra, o texto ficará pronto hoje, mas somente chegará ao Legislativo na próxima semana, na terça-feira, para evitar falsas narrativas equivocadas.

Ela explicou que o projeto é simples, conterá apenas “a moldura e os parâmetros” da âncora fiscal. As medidas de aumento de receitas que vão dar suporte ao plano serão enviadas por Haddad, depois de discutidas com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PPAL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e lideranças partidárias.

— A prioridade absoluta agora é a entrega do arcabouço fiscal na semana que vem, até terça-feira, para que o Congresso possa avançar o mais rápido possível na questão do arcabouço fiscal.

Segundo a ministra, o novo marco é a “bala de bronze” para resolver as contas públicas:

— Resolve um problema interno das contas públicas, dá confiança para o mercado que estamos fazendo o dever de casa, garante que o governo não vai continuar no vermelho, vai zerar o déficit em 2024 —disse a ministra.

“Bala de prata”

Já a reforma tributária, segundo ela, é a “bala de prata” para reduzir o custo das empresas, gerar empregos e fazer o país voltar a crescer.

— A reforma tributária é a única bala de prata. Eu diria que o arcabouço fiscal é a bala de bronze, o dever de casa dentro do Executivo para dar credibilidade necessária e permitir que os juros comecem a cair

O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse ontem que o início da tramitação no Legislativo deve ocorrer “após a semana santa”. O nome para a relatoria deve ser definido nesse período.

— O que temos conversado com o presidente da Câmara [Arthur Lira], e ele tem sinalizado junto aos líderes, é que seja alguém que tenha uma boa capacidade de diálogo. Exatamente porque o novo marco fiscal não tem um carimbo de governo ou de oposição. Acredito que possa ter um relator que expresse isso — pontua Padilha.