O Globo, n. 32748, 05/04/2023. Política, p. 9

PGR recua mais uma vez e pede rejeição de denúncia contra Lira

Mariana Muniz
Bernardo Mello


A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ontem que o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeite uma denúncia por corrupção apresentada por ela mesma contra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). É a segunda vez em que o órgão recua após formalizar uma acusação contra o parlamentar.

Na peça, a PGR afirmava que o assessor parlamentar Jaymerson Amorim, servidor público da Câmara dos Deputados, foi pego com R$ 106 mil em espécie quando tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com destino a Brasília utilizando passagens custeadas pelo deputado federal. Ao ser detido, ele afirmou que a quantia pertencia a Lira. O episódio ocorreu em 2012.

Segundo a acusação, os valores apreendidos deveriam ser entregues ao parlamentar, na época líder do PP, em troca de apoio político para manter Francisco Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

A denúncia também afirmava que o deputado, com a finalidade de ocultar a quantia ilícita, determinou que Amorim camuflasse as notas na roupa e o orientou a dissimular a natureza, a origem e a propriedade dos valores, caso fosse surpreendido.

Em julgamento em 2019, a Primeira Turma do STF chegou a acolher em parte a acusação da PGR e decidiu transformar o deputado em réu por corrupção passiva. Agora, em parecer apresentado após novo recurso da defesa de Lira, o órgão afirma que não há elementos que justifiquem a acusação contra o parlamentar.

Para a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, a denúncia foi embasada apenas em delação premiada e não há no processo provas que reforcem a acusação.

“Em síntese, o colaborador Alberto Youssef não apresentou elementos de prova autônomos, além dos seus próprios relatos, de que Arthur Lira mantinha Francisco Colombo no cargo por meio de sua influência política, posição em que teria exigido as supostas propinas”, afirma a PGR no novo parecer.

A PGR observou, na denúncia original, que as passagens de Amorim haviam sido compradas com o cartão de crédito de Lira, que fez contato seis vezes com seu assessor na data em questão — a última delas por volta das 15h30min, cerca de 20 minutos após o horário previsto para o pouso de Amorim em Congonhas. Segundo a peça de acusação, ao ser flagrado com o dinheiro, o assessor de Lira inicialmente alegou que recebera o dinheiro por conta de uma “consultoria administrativa”.

Ao prestar depoimento à Polícia Federal três anos depois, em abril de 2015, ele modificou a própria versão e alegou ter levado o dinheiro de Brasília a São Paulo para comprar um veículo de um amigo de Colombo. Nesta nova versão, o assessor de Lira alegou que os valores “saíram de sua conta corrente, sacados em espécie e poupados durante anos em sua casa". Ele confirmou ainda ter encontrado Colombo, mas disse ter retornado a Brasília com o dinheiro porque o então presidente da CBTU não levou o veículo.

Ida e volta em três meses

Na denúncia, a PGR citou trechos de depoimentos em que Youssef afirma ter partido dele a iniciativa de indicar Colombo à presidência da CBTU, mas que a indicação teria sido chancelada por Lira e seu pai, o então senador Benedito de Lira (PP-AL). Além da delação, a PGR apresentou registros de mais de 60 visitas de Colombo a escritórios de Youssef, entre fevereiro de 2011 e setembro de 2013.

Em setembro de 2020, a PGR já havia voltado atrás em outra acusação contra Lira. Na época, Lindôra, três meses depois de denunciar o deputado, afirmou que havia “fragilidade probatória” e solicitou o arquivamento —em fevereiro do ano passado, a Corte rejeitou a denúncia.

Neste caso, oriundo da Operação Lava-Jato, Lira chegou a ser acusado de corrupção por receber R$ 1,5 milhão da Queiroz Galvão. A peça apontava que, por meio de doleiros, como Alberto Youssef, o parlamentar se beneficiava de um esquema de desvios na Petrobras e recebia repasses em dinheiro vivo.

Posteriormente, no entanto, a PGR ponderou que havia “contradições” entre os depoimentos de Youssef e de outro delator e argumentou que não havia “elementos nos autos que comprovem o elo entre o parlamentar e a Queiroz Galvão”.