O Estado de São Paulo, n. 46651, 09/07/2021. Política p.A6

 

Cobrado pela CPI, Bolsonaro se nega a explicar denúncias

 

Cúpula da comissão envia carta com pedido de manifestação do presidente, que, em transmissão, diz que não vai responder: 'Caguei'

Amanda Pupo

Daniel Weterman

Matheus de Souza

A cúpula da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid enviou ontem uma carta ao presidente Jair Bolsonaro, cobrando dele que se manifeste sobre as denúncias de corrupção apresentadas pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF), referentes às negociações para compra da vacina indiana Covaxin. Bolsonaro não só desafiou a CPI como recorreu a xingamentos para dizer que “em hipótese alguma” atenderá a esse pedido.

“Caguei. Caguei para a CPI. Não vou responder nada”, afirmou o presidente, na noite de ontem, em transmissão ao vivo pelas redes sociais. “Não tenho paciência para ficar ouvindo patifes acusando o governo. Como a gente desmonta essa CPI de picaretas, sete picaretas?”, perguntou ele, numa referência ao grupo composto por senadores independentes e de oposição, conhecido como “G-7”.

Em depoimento à CPI, há duas semanas, Miranda disse ter avisado Bolsonaro, em 20 de março, de um esquema de cobrança de propina para aquisição da Covaxin. Na ocasião, o deputado também afirmou que o presidente atribuiu as irregularidades a um “rolo” do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR).

Bolsonaro se tornou alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa dessa denúncia – feita antes pelo servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda, irmão do deputado –, sob suspeita de ter se omitido e cometido o crime de prevaricação.

Na carta, os senadores Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI; Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente; e Renan Calheiros (MDB-AL), relator, dizem ter tomado a iniciativa de pedir ao chefe do Executivo, “de maneira formal”, que se manifeste sobre as “graves acusações” porque, após 13 dias das declarações de Miranda, impera o silêncio no Palácio do Planalto.

Aziz, Renan e Randolfe – a quem Bolsonaro chama de “saltitante” – afirmam no documento que essa atitude contribui para a “execração” de Ricardo Barros, ex-ministro da Saúde e um dos expoentes do Centrão. “Somente Vossa Excelência pode retirar o peso terrível desta suspeição tão grave dos ombros deste experimentado político, o deputado Ricardo Barros, o qual serve seu governo em uma função proeminente”, escreveram.

Barros tem dito que quer ir “o quanto antes” à CPI e chegou a entrar com pedido no Supremo Tribunal Federal. “A CPI sequestrou a minha honra”, disse. Bolsonaro trata o assunto com cautela porque o líder do governo na Câmara foi indicado para o cargo pelo presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PI), um dos líderes do Centrão.

A carta da cúpula da CPI foi protocolada no Planalto por um funcionário do Senado. “Rogamos a Vossa Excelência que se posicione, de maneira clara, cristalina, republicana e institucional, inspirando-se no Salmo tantas vezes citado em suas declarações, em jornadas pelo país: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’”, insistiram os senadores no documento.

Um dia depois de Aziz ter mandado prender o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, sob acusação de falso testemunho, a temperatura política em Brasília continuou alta e a tensão tomou conta da Praça dos Três Poderes. Dias foi solto ainda na noite de quarta-feira, após pagar fiança de R$ 1.100, mas a CPI está atrás de um dossiê feito por ele com novas denúncias sobre irregularidades na Saúde.

 

Politização. Ao depor ontem à CPI, a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, Francieli Fantinato, disse não ter contado com o apoio de Bolsonaro para divulgar a importância da vacinação durante a pandemia. Francieli afirmou que pediu para sair por causa da “politização” do assunto, promovida pelo presidente. “Quando a gente tem ciência, quando a gente tem segurança no produto que está usando, quando os resultados apontam de forma favorável que aquilo pode trazer um resultado para a população, ter uma politização do assunto, por meio do líder da Nação, traz elementos que muitas vezes colocam em dúvida”, avaliou.

Ainda ontem, em conversa com apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro acusou o presidente da CPI de ter desviado R$ 260 milhões da Saúde, quando era governador do Amazonas. Aziz rebateu e o desafiou a procurar um processo em que fosse réu ou denunciado.

 

‘Picaretas’

“Não tenho paciência para ficar ouvindo patifes acusando o governo. Como a gente desmonta essa CPI de picaretas, sete picaretas?”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE

 

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Sob agenda negativa, presidente ameaça a realização de eleições


Bolsonaro aumenta tom das críticas ao atual sistema eleitoral na medida em que cresce pressão sobre governo

 

Vera Rosa 

 

Sob pressão da CPI da Covid no Senado, do inquérito do qual é alvo por prevaricação, da queda de popularidade e do crescimento dos atos de rua que pedem seu impeachment, o presidente Jair Bolsonaro subiu ontem o tom das críticas ao atual sistema de urna eletrônica e fez novas ameaças.

"Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições", disse ele a apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada. A afirmação do presidente foi feita diante da perspectiva de ver sua bandeira do voto impresso derrotada no Congresso.

O aumento da escalada de críticas e acusações de Bolsonaro à urna eletrônica, sem apresentar provas, ocorre num momento de queda de popularidade e desgaste do governo diante das denúncias de corrupção na CPI da Covid. Além disso, manifestações de rua estão mais frequentes. No sábado passado houve protestos em todas as capitais e novos atos estão sendo convocados. O MBL e o Vem Pra Rua, dois dos grupos que lideraram as manifestações pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff, marcaram ato para o dia 12 de setembro.

Na última terça-feira, também em conversa com eleitores, o presidente havia dito, mais uma vez, que o voto no Brasil é fraudável. "Se não tiver o voto impresso, não interessa mais o voto de ninguém", afirmou. Em transmissão ao vivo nas redes sociais, há uma semana, Bolsonaro disse que, se for derrotado nas eleições de 2022, só entregará a faixa presidencial se o seu adversário tiver vencido de "forma limpa", termo usado novamente por ele ontem.

Dias depois, Bolsonaro acusou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, de fazer articulações no Congresso contra a aprovação da emenda que permite o voto impresso – chamado por ele de "voto auditável" – nas eleições de 2022. A votação da proposta na Comissão Especial da Câmara, que analisa o assunto, estava prevista para ontem, mas foi adiada para o próximo dia 15. "Não podem botar em votação (agora) porque vão perder, por causa da interferência do ministro Barroso. Um péssimo ministro", criticou.

"A democracia está ameaçada por alguns de toga, que perderam a noção de até onde vão seus direitos, seus deveres", disse o presidente, em entrevista à Rádio Guaíba. A Secretaria de Comunicação do TSE informou que Barroso está em um compromisso acadêmico fora do Brasil "e pediu para não ser incomodado com mentiras e miudezas".

Em campanha à reeleição, Bolsonaro tem dito que, se o voto impresso não for aprovado, pode haver uma "convulsão social" no Brasil porque "no tapetão não vão levar". Na prática, ele criou um discurso preventivo para justificar uma eventual derrota nas urnas. As últimas pesquisas têm mostrado que, se as eleições fossem hoje, o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva venceria Bolsonaro.

Dois institutos diferentes apontaram ontem que o índice de reprovação de Bolsonaro é o maior desde a posse, além da diminuição de sua aprovação. Pesquisa XP/Ipesp também indicou que 52% dos entrevistados consideram a administração como ruim ou péssima. Em outubro, eram 31%. Os que classificam o governo como bom ou ótimo caíram de 39% a 25%.

Segundo o Datafolha, 51% avaliam o governo como ruim ou péssimo, 6 pontos porcentuais a mais do que o último levantamento, em maio. Aqueles que veem a gestão como regular somam 24% da população, 6 pontos a menos do que há dois meses. Já os que avaliam como bom ou ótimo são 24%, índice estável desde o levantamento passado.

 

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Aécio afirma não acreditar em 'fraudes nas urnas em 2014'

 

O deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) discordou da afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que teria havido fraudes nas urnas eletrônicas nas eleições de 2014 e que o tucano teria derrotado a petista Dilma Rousseff. No entanto, Aécio afirmou que defende uma atualização no modelo de apuração.

"Não acredito que tenha havido fraudes nas urnas em 2014, tão pouco acredito que nós estejamos fadados a viver eternamente com as urnas eletrônicas de primeira geração. O mundo inteiro que utiliza urnas eletrônicas avançou para algum tipo de auditagem."

Após a eleição de 2014, Aécio e o PSDB contestaram o resultado da eleição em recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um ano depois do pleito, a Corte disse que o partido não encontrou indícios de fraude na disputa. / MARCELO DE MORAES