Correio Braziliense, n. 21523, 19/02/2022. Política, p. 3

STF mantém poder de Defensorias Públicas

Luana Patriolino


O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para manter o poder das Defensorias Públicas de requisitar documentos a autoridades. A decisão representa uma derrota para o procurador-geral da República, Augusto Aras. 

 

A possibilidade de requisitar documentos de autoridades para facilitar a atuação da Defensoria foi contestada na Corte em duas ações propostas por Aras. Até o fechamento desta edição, o placar estava em 9 x 1 a favor das Defensorias. O julgamento, em plenário virtual, prosseguiu até as 23h59 de ontem. 

 

Segundo sustentou Aras nas ações, a lei que estabelece o “poder de requisição” à Defensoria Pública teria trechos inconstitucionais, ao permitir aos defensores públicos a possibilidade de requisitar documentos aos órgãos públicos.

 

Para Aras, a regra confere ao defensor público um atributo que advogados privados não têm. “As normas desequilibram a relação processual, notadamente na produção de provas, ao conferirem poderes exacerbados a apenas uma das partes, o que ofende o princípio da isonomia, do qual decorre o preceito da paridade de armas”, argumentou.

O relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, deu voto favorável aos defensores públicos. No entendimento do magistrado, proibir esse tipo de acesso à informação pode criar um obstáculo no trabalho do órgão e desassistir a população mais vulnerável.

“Reconhecer a atuação da Defensoria Pública como um direito que corrobora para o exercício de direitos é reconhecer sua importância para um sistema constitucional democrático, em que todas as pessoas, principalmente aquelas que se encontram à margem da sociedade, possam usufruir do catálogo de direitos e liberdades previsto na Constituição Federal”, ressaltou.

Fachin rechaçou o posicionamento do PGR. “Delineado o papel atribuído à Defensoria Pública pela Constituição, resta evidente não se tratar de categoria equiparada à advocacia, seja ela pública, seja privada, estando, na realidade, mais próxima ao desenho institucional atribuído ao próprio Ministério Público”, frisou.

O voto de Fachin foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Luiz Fux, André Mendonça, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso. A única divergência foi da ministra Cármen Lúcia — faltava o voto de Nunes Marques. Na avaliação dela, o poder de requisição da Defensoria Pública é válido apenas para processos coletivos, em que há diversos autores, e não para os individuais.

 

Para o advogado Karlos Gad Gomes, especialista em direito público, a Constituição, ao prever a Defensoria Pública como órgão essencial à Justiça, destinou a ela a missão de buscar todos os meios disponíveis para efetivar os direitos dos usuários dos seus serviços. “Dentro deles deve estar a possibilidade de requisitar documentos, o que se revela como importante ferramenta no seu papel, já que, muitas vezes, o usuário do serviço não dispõe de todas as informações e dos documentos necessários à defesa dos seus interesses”, defendeu. 

O advogado Beethoven de Andrade explicou que a Defensoria Pública tem características especiais, cujas especificidades diferem da advocacia pública ou privada. “A Defensoria Pública possui, conforme Emenda Constitucional nº 80/2014, a incumbência da promoção dos direitos humanos e da defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, de forma integral e gratuita, dos necessitados”, afirmou.

 

Saiba mais 

Fácil acesso 

O poder de requisição facilita o acesso dos defensores públicos a certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações e esclarecimentos, sem necessidade de autorização judicial.

 

Desde que o processo foi pautado para julgamento no STF, a classe articulou uma campanha ampla pela rejeição da ação e mobilizou famosos como a ex-BBB Juliette Freire e a cantora Daniela Mercury. Representantes da Defensoria Pública também fizeram audiências com os ministros para defender a prerrogativa.