Título: ¿O gás continuará mais barato¿
Autor: Sabrina Lorenzi e Ricardo Rego Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 05/09/2005, Economia & Negócios, p. A19

O gás natural continuará competitivo no Brasil, a despeito da crise da Bolívia e da nova política de preços adotada pela Petrobras para o insumo. Na avaliação de Daniel López Jordá, presidente da subsidiária brasileira da Gas Natural de España, no momento em que a Petrobras repassar para os preços dos derivados as atuais cotações do petróleo no mercado internacional, a diferença dos custos do Gás Natural Veicular (GNV) em relação à gasolina será ainda mais acentuada do que é hoje. No Brasil, a Gas Natural de España controla as distribuidoras CEG e CEG Rio, que abastecem todo o estado do Rio de Janeiro, e a São Paulo Sul. Mais otimista do que a média do mercado em relação às perspectivas para o gás, Jordá afirma que, se ocorrer uma escassez do insumo em 2010, estará limitada a alguns poucos dias. Por isso, a empresa mantém inalterado o plano de negócios no Brasil. Para o período 2005-2009, a empresa investirá R$ 1,5 bilhão para expandir a malha de gasodutos e converter e manter a rede de dutos dos 29 municípios já atendidos pelas duas distribuidoras do Rio. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Jornal do Brasil.

- Qual é a sua avaliação sobre a destinação da maior parte do gás para as termelétricas, em detrimento de outros mercados? É uma política da Petrobras ou do governo?

- É uma política do governo. O governo tem mesmo que pensar nisso; ver como vai administrar a situação. O ministério queria fazer um mercado secundário. Pode haver necessidade de o país precisar de todas as termelétricas, mas não no curto prazo. Isso pode acontecer, mas por quanto tempo? Por um ano seguido? Não. Então, a probabilidade de isso acontecer (faltar energia elétrica) é pequena. Não vai acontecer amanhã e pode acontecer durante apenas cinco dias, naqueles dias (de verão) em que a demanda por eletricidade cresce. Mas o que acontecer em cinco dias vai prejudicar todo o mercado de GNV?

- Como ficam os investimentos da empresa diante da possibilidade de problemas na oferta de gás natural, assumida pela própria Petrobras?

- Por enquanto são os mesmos que planejávamos há um ano. Claro que todas essas novas notícias poderiam trazer uma repercussão ruim, mas, por enquanto, estamos olhando com atenção e estamos na posição de esperar e ver. Claro que a economia é dinâmica. Se a situação mudar radicalmente, não podemos manter as coisas como estão, mas achamos que, por enquanto, isso não aconteceu.

- Quais os investimentos previstos pelo plano estratégico da CEG?

- Temos investimentos de R$ 1,5 bilhão para a cidade do Rio e os outros municípios do estado, entre 2005 e 2009. Desses R$ 1,5 bilhão, 68% serão destinados à expansão da rede nos municípios. Temos aí, também, quase 30% para conversão, renovação de redes, manutenção. A idéia é expandirmos a rede a uma média de 70 quilômetros por ano.

- Essa expansão inclui postos de GNV?

- Estamos chegando aos mercados industrial, comercial, residencial e de GNV. Em 2004, o residencial e o comercial registraram um consumo de 170 milhões de metros cúbicos; o industrial, de 1,45 bilhão de metros cúbicos; o de GNV, 620 milhões de metros cúbicos; e geração de energia, 962 milhões de metros cúbicos. Então, a receita desses mercados tem uma composição diferente. A margem do residencial é maior, depois vem o comercial, depois vem o industrial e, em seguida, o GNV. Quanto menor o consumo, maior a margem.

- E como esses segmentos se comportarão em 2005?

- Em 2005, o peso dos grandes consumidores vai ser também muito relevante. Também esperamos que o GNV cresça 18% e o industrial, uns 7%. O comercial e residencial, por sua vez, não vão crescer mais do que 4%, 5%. E a geração elétrica não sabemos, porque o despacho de energia oscila de acordo com a demanda. Uma térmelétrica em operação pode consumir até 2 milhões de metros cúbicos. O mercado residencial consome, por sua vez, meio milhão de metros cúbicos por dia.

- O senhor está prevendo 18% de expansão do consumo de GNV mesmo com os novos preços do gás?

- Eu sou um pouco mais otimista do que os usuários e as pessoas que lêem os jornais, porque estou passando pelos postos e estou vendo que a gasolina está a R$ 2,30, enquanto o GNV oscila de R$ 0,99 a R$ 1,14. Agora, o preço vai ser reajustado em 5%. Quando o preço do petróleo for repassado pela Petrobras ao mercado interno, e isso vai ocorrer em algum momento, o GNV ficará mais competitivo.

- A CEG não poderia ter absorvido parte do reajuste da Petrobras, em vez de repassá-lo integralmente para os consumidores?

- É obrigação nossa repassar tudo, conforme prevê o contrato de concessão. Não temos lucro nem prejuízo com o novo preço do gás. Dentro do preço temos nossa margem, que é diferente em cada segmento de mercado. O reajuste está valendo desde quinta-feira passada, mas as tarifas não serão alteradas ainda, porque temos que ter um mês de espaço entre a publicação do aumento e o reajuste. Então, vamos aplicar o reajuste no dia 24 de setembro, de forma retroativa.

- Mas a Petrobras confirmou a hipótese de aumentar o preço do GNV se houver problemas na oferta.

- Nós nos manifestamos contra essa posição, não especificamente para o presidente da Petrobras. Não concordamos com essa visão sobre o GNV, primeiro porque hoje o mercado representa de 3 a 4 milhões de metros cúbicos de consumo por dia, enquanto só as refinarias da Petrobras estão consumindo 14 milhões de metros cúbicos diários. As termelétricas gastam 2 milhões por dia para funcionar. Então, achamos que o problema não é GNV. Para nós, que fizemos fortes investimentos para o desenvolvimento deste mercado, é muito ruim essa posição, porque há um ano estávamos falando do plano de massificação e, agora, estamos falando em um plano de restrição. É um pouco frustrante, mas as coisas devem ser retomadas na justa medida.

- Quanto a CEG e a CEG Rio já investiram no desenvolvimento deste mercado no Estado do Rio?

- Desde a privatização, já investimos R$ 1 bilhão. É muito frustrante para nós, fizemos um esforço enorme para desenvolver o mercado. Há muitas coisas para se falar, nós participamos de um grupo de trabalho com o Ministério e a Petrobras.

- Seria errado pensar que o Estado do Rio e a CEG levam vantagem por estarem perto da produção?

- O Brasil como um todo é privilegiado. A Bacia de Santos é um dos únicos lugares do mundo em que se tem gás praticamente em frente aos mercados.

- A empresa cogita alguma parceria com a Petrobras para viabilizar a exploração em Santos?

- Eles não precisam de nós. A Petrobras obteve um lucro de R$ 9,9 bilhões. Você acha que nós precisamos ajudar?

- A CEG não, mas e a Gas Natural?

- Se precisarem de nós, nos sentiríamos lisonjeados, até gostaríamos. A Petrobras pode precisar de parceria na exploração, mas não na construção de gasodutos, que demanda o menor dos investimentos.

- A parte de vocês na parceria é só criar mercado consumidor?

- Até o ano passado estávamos nos mobilizando para isso.

- Em quais municípios?

- Estamos em 29 cidades até agora, mas teremos 10 ou 11 a mais, contando com Niterói.

- Por que, apesar de gastar mais nos próximos cinco anos (R$ 1,5 bilhão até 2009, ante os R$ 1 bilhão dos últimos oito anos), vocês vão alcançar menos municípios do que já atingiram desde a privatização?

- Entre outras coisas, por causa de fatores como a inflação, o aço, cujos preços estão nas nuvens, e também porque nos municípios onde vamos chegar não há redes. Temos então que fazer os nossos próprios gasodutos e redes. No Rio de Janeiro vamos chegar a Mangaratiba, Guapimirim, Japeri e Região Serrana, onde já estamos em Petropólis.

- Qual é o preço do gás natural vendido à CEG pela Petrobras?

- O gás nacional é vendido por R$ 0,36 o metro cúbico. Com a nossa margem, fica R$ 0,44. Em cima desse valor, ainda incidem PIS, Cofins e ICMS.