O Estado de São Paulo, n. 46653, 11/07/2021. Política p.A5

 

Nenhuma ameaça pode ser tolerada', afirmam partidos

 

Camila Turtelli

 

Após o Judiciário e o Congresso criticarem os ataques de Jair Bolsonaro às eleições, presidentes de oito partidos reagiram às declarações do presidente da República e divulgaram, ontem, uma nota conjunta em defesa da democracia. “Nenhuma forma de ameaça” a ela “pode ou deve ser tolerada”, diz o texto.

“Quem se colocar contra esse direito (eleições) de livre escolha do cidadão terá a nossa mais firme oposição”, afirmam os presidentes do MDB, DEM, PSDB, Solidariedade, Cidadania, PSL, PV e Novo. “A democracia é uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro, uma conquista inegociável. Nenhuma forma de ameaça à democracia pode ou deve ser tolerada. E não será.”

O posicionamento das siglas se deu depois que Bolsonaro subiu o tom e chamou o presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, de “imbecil” e “idiota”, atribuindo ao ministro articulações para barrar a aprovação da proposta que institui o voto impresso no Brasil – ontem, em viagem ao Rio Grande do Sul, Bolsonaro voltou a criticar o magistrado (mais informações nesta página).

A escalada de críticas e acusações do presidente ao sistema de urna eletrônica, mesmo sem provas, ocorrem no pior momento do governo, que enfrenta queda de popularidade, além do desgaste diante das denúncias de corrupção na CPI da Covid e dos problemas na condução da pandemia. Além disso, aumentam as manifestações de rua pedindo o impeachment de Bolsonaro, em atos organizados por partidos de esquerda e movimentos sociais e também por grupos como MBL e o Vem Pra Rua.

Seis desses mesmos dirigentes que assinaram a nota compõem o grupo de 11 signatários de uma carta contra a adoção do voto impresso, proposta em discussão na Câmara. No documento, eles reafirmaram a confiança no sistema atual de votação.

“Temos total confiança no sistema eleitoral brasileiro, que é moderno, célere, seguro e auditável. São as eleições que garantem a cada cidadão brasileiro o direito de escolher livremente seus representantes e gestores. Sempre vamos defender de forma intransigente esse direito, materializado no voto.”

Assinam a nota os dirigentes partidários ACM Neto (DEM), Baleia Rossi (MDB), Bruno Araújo (PSDB), Eduardo Ribeiro (Novo), José Luiz Penna (PV), Luciano Bivar (PSL), Paulinho da Força (Solidariedade) e Roberto Freire (Cidadania).

 

‘Oportunismo’. Aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que até então não havia comentando as declarações do presidente, afirmou ontem que as “instituições são fortalezas que não se abalarão com declarações públicas e oportunismo”. Lira, no entanto, não fez menção ou referência a Bolsonaro na postagem que escreveu no Twitter.

Mais tarde, em entrevista à CNN Brasil, Lira pediu um basta aos “recadinhos”, ao comentar sobre a crise entre os Poderes. “Basta. Acho que é hora de basta de recadinhos, de tuítes. Ninguém vai dar suporte a uma aventura desse tipo. Ninguém, nem a Câmara, nem ninguém. Então vamos tratar do que é concreto. Pandemia e emprego”, afirmou.

Na mesma entrevista, Lira afirmou que a presidência da Câmara é fiel à democracia e “não tem compromisso com nenhum tipo de ruptura política institucional, democrática, com qualquer insurgência de boatos, qualquer manifestação desapropriada”.

O presidente da Câmara voltou, mais uma vez, a rechaçar a possibilidade de abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro. “Não temos condição de um impeachment para esse momento. O Brasil não deve se acostumar a desestabilizar a política em cada eleição.”

Lira ainda sugeriu um debate sobre a adoção de um sistema semipresidencialista no País para 2026. “Nesse regime, se for o caso, é muito menos danoso que caia um primeiro-ministro do que um presidente. Como alternativa, talvez isso seja mais simples”, disse.

 

‘Conquista’

“A democracia é uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro, uma conquista inegociável. Nenhuma forma de ameaça à democracia pode ou deve ser tolerada. E não será.”

 

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Bolsonaro participa de motociata e volta a atacar Barroso

 

Presidente afirma que ministro quer retorno da 'fraude' e faz nova defesa do voto impresso em Porto Alegre

 

Eduardo Amaral 

O presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luis Roberto Barroso, reforçando sua narrativa contra a confiabilidade das urnas eletrônicas, sem apresentar provas de fraude. “O que o Barroso quer é a volta da roubalheira, a volta da fraude eleitoral”, disse Bolsonaro, em Porto Alegre, do alto de um carro de som, depois de participar de uma motociata com apoiadores na capital gaúcha.

O presidente também atacou seu maior rival e líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Se aquele de nove dedos tem 60% segundo o Datafolha, vamos fazer o voto impresso e auditável da deputada (federal) Bia Kicis, que está aqui, para ver se ele ganha realmente no primeiro turno”, declarou Bolsonaro, aproveitando para colocar novamente sob suspeita o sistema eleitoral pelo qual foi eleito presidente e deputado federal.

Na mais recente pesquisa Datafolha, divulgada anteontem, Lula ganharia a disputa por 58% a 31% em uma simulação de segundo turno. Nos dois cenários traçados pelo instituto para o primeiro turno, o petista lidera a corrida presidencial de 2022.

 

Luis Miranda. Antes da motociata, o presidente deu entrevista à Rádio Gaúcha. Questionado sobre seu encontro com o deputado Luis Miranda (DEM-DF), no dia 20 de março, Bolsonaro se eximiu da responsabilidade de ter de tomar providências sobre as supostas denúncias levadas até ele. “Ele (Miranda) pediu uma audiência pra conversar comigo sobre várias ações. Tenho reunião com mais de 100 pessoas por mês, dos mais variados assuntos. Eu não posso simplesmente, ao chegar qualquer coisa pra mim, tomar providência”, respondeu Bolsonaro.

O deputado e seu irmão, o servidor público do Ministério da Saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda, disseram à CPI da Covid que relataram a Bolsonaro, na reunião ocorrida no Palácio da Alvorada, pressões “atípicas” e indícios de irregularidades na compra da Covaxin, vacina produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech. Há fotos publicadas nas redes sociais que comprovam que eles estiveram juntos nesse dia.

Bolsonaro foi questionado sobre as denúncias. “Gastei um centavo com a Covaxin? Me responda, gastei um centavo?”, disse ao repórter da Rádio Gaúcha. “A compra seria 400 milhões de doses? A compra seria mil por cento sobre o faturamento? Não é a imprensa, é o que a CPI andou falando”, afirmou.

 

Inquérito. Bolsonaro se tornou alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa dessa denúncia, sob suspeita de ter se omitido e cometido o crime de prevaricação. Desde a denúncia, o presidente não desmentiu o deputado e evita falar sobre o caso. A cúpula da CPI enviou uma carta a Bolsonaro, cobrando dele que se manifeste, e ele respondeu, em live, com um xingamento, sem dar explicações. COLABOROU CAMILA TURTELLi