O Globo, n. 32750, 07/04/2023. Economia, p. 11

'Se a meta está errada, muda-se a meta'

Bernardo Mello Franco
Vera Magalhães


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem que a meta de inflação seja elevada se isso for necessário para reduzir a taxa de juros. Em café com jornalistas, Lula voltou a criticar o Banco Central (BC) e disse que é “humanamente impossível” o país crescer com o atual patamar da taxa básica de juros, a Selic, que hoje está em 13,75% ao ano:

— Eu não sei se foi a partir de algum de vocês (jornalistas), mas esses dias eu li uma frase que eu não sei se foi dita pelo presidente do Banco Central, que, para atingir a meta de 3%, precisaria de juro de 20%. Não sei se foi verdade isso, mas no mínimo é uma coisa não razoável. Porque se a meta (de inflação) está errada, muda-se a meta.

Programa de crédito

Na semana passada, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que, apesar das críticas à atuação da autoridade monetária e à Selic em 13,75%, esse patamar teria de ser quase o dobro se o único objetivo do BC fosse convergir a inflação para a meta, a qualquer custo.

— Se fosse atingir a meta em 2023, a última informação que tive é que a taxa (de juros) teria de ser de 26,5%. É óbvio que a gente entende que seria impossível — afirmou Campos Neto na ocasião.

A meta de inflação é um parâmetro perseguido pelo BC, que tem no manejo da taxa de juros um dos principais instrumentos para buscar o controle do nível de alta dos preços na economia. Ela é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e Campos Neto.

Para 2023, a meta de inflação é de 3,25%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. No último Boletim Focus, que traz as expectativas do mercado, a inflação projetada para o ano é de 5,96%.

Lula afirmou que a meta de inflação é “um problema do Banco Central”. E voltou a lembrar que, no seu governo anterior, as metas foram cumpridas. Ele provocou de forma indireta a direção do BC, que prevê o descumprimento da atual meta de inflação:

— Já estabeleci meta neste país. Já cumprimos meta. Conseguimos fazer. Se você tem alguém que estabelece uma meta e não vai cumprir, é como você estabelecer uma meta para a sua vida e não cumprir, então você está mentindo para si mesmo.

O presidente afirmou ainda que o governo vai lançar um programa de crédito como indutor do crescimento, que fará parte dos anúncios pelos cem dias de seu governo, na semana que vem. Mas, para o país voltar a crescer, reforçou o presidente, é preciso ter juros mais baixos e oferta de crédito.

Haddad afirmou ontem que o novo arcabouço fiscal proposto pelo governo vai exigir uma redução dos juros (leia mais na página 12).

Cautela com a economia

Lula também afirmou que mudará os diretores do BC “de acordo com os interesses do governo” e afastou um possível desentendimento com Campos Neto.

— Não vou brigar, porque ele tem dois anos de mandato, quem indicou ele foi o Senado. E daqui a dois anos, vaise discutir o novo presidente do Banco Central e os novos diretores. Nós vamos mudar de acordo com os interesses do governo — disse o presidente, ao destacar que trará “pessoas da mais alta responsabilidade”. — Nós não vamos brincar com a economia. Eu sou muito cauteloso e meticuloso para tratar da questão da economia.

Lula enfatizou ainda que a elevada taxa de juros prejudica o funcionamento do BNDES como indutor do desenvolvimento econômico:

— Não é possível a economia funcionar. E isso qualquer empresário diz. Eu estive reunido com o pessoal do varejo, da indústria. É impossível imaginar, inclusive o BNDES, emprestar dinheiro para o desenvolvimento com uma taxa de juro real tão alta assim.

O presidente adiantou que, após voltar de sua viagem à China, pretende discutir novas políticas de crédito para diferentes atores no país:

—Vamos começar uma outra fase do nosso governo, que é fazer a economia voltar a crescer e voltar a oferecer crédito nesse país. Vamos ter que discutir com muita clareza, quando eu voltar da China, a política de crédito para pequeno e médio empreendedor, para as cooperativas, para o agronegócio, pequenos e médios empresários, pequeno e médio agricultor.

Lula destacou a importância da circulação do dinheiro para a retomada do crescimento da economia. Segundo ele, não há inflação de demanda e “tem gente pegando juros a 30% no mercado para fazer investimento, e não é possível o país continuar assim”:

— Não é possível a gente imaginar que se possa estabelecer crédito com taxa de juros de 16%, 17% ou 18%. (...) Só com a circulação de dinheiro é que vamos poder retomar o crescimento da economia. Não existe milagre, não existe outra possibilidade.