O Estado de São Paulo, n. 46655, 13/07/2021. Economia p.B1

 

Relatório do IR deve manter tributação sobre acionista e aliviar para empresas

Adriana Fernandes

O relatório da reforma do Imposto de Renda deve manter a taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos a acionistas, mas dar um alívio ainda maior às empresas, de acordo com negociações entre o relator do texto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), e a área econômica do governo. O parecer deve ser apresentado hoje aos líderes partidários. Ao "Estadão", o chefe do Centro de Estudos Tributários da Receita Federal, Claudemir Malaquias, disse que a retomada da tributação de lucros e dividendos é um "caminho sem volta". Extinta em 1996, a taxação está no centro da polêmica que envolve a proposta apresentada pelo governo ao Congresso.

Mais de duas semanas depois da apresentação do projeto, só ontem a Receita abriu os números sobre o impacto da proposta na arrecadação e apontou uma revisão das estimativas, após a pressão do setor privado e de parlamentares para o governo apresentar os detalhes das projeções (veja mais detalhes abaixo). Responsável pelas estimativas, Malaquias negou que a Receita tenha deixado uma "gordura" nos números de olho no aumento da arrecadação em 2022. Ele defendeu prudência nas projeções para não trazer risco para as contas públicas e estimou entre 3% e 5% a margem de erro dos cálculos do governo. "Não pode haver malabarismo." Na defesa do projeto, ele disse que é preciso eliminar a quantidade de contribuintes que estão "à margem da tributação".

Os críticos apontam, porém, distorções com a volta da taxação de dividendos e o risco de aumento da carga tributária. O relator do texto prometeu que, com as mudanças em relação à versão original do governo, haverá uma redução da carga em R$ 20 bilhões para enfrentar as resistências das lideranças empresariais – que na semana passada fizeram forte mobilização para brecar a tramitação.

As críticas e a mobilização dos empresários, muitos deles apoiadores de primeira hora do governo, deixaram o presidente Jair Bolsonaro desconfortável com o projeto num momento de tensão política com os avanços da CPI da Covid e uma queda da sua população. Bolsonaro cobrou ajustes para atender pontos específicos, entre eles, manter a isenção dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII). O projeto original prevê o fim da isenção, o que gerou reação do setor imobiliário. O relator deve voltar com o benefício para o setor.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também pediu mudanças para seguir com a tramitação na Casa. O projeto prevê a correção da tabela do IR das pessoas físicas e, para compensar a perda de arrecadação com essa medida em ano de eleição, estabelece a tributação de lucros de dividendos.

 

Cortes. Está na mesa de negociação a possibilidade de redução da tributação do IR das empresas em 12,5 pontos porcentuais. Essa proposta foi apresentada nas reuniões do fim de semana entre o relator e integrantes da equipe econômica. Pela proposta entregue ao Congresso, o IR das empresas cairia inicialmente cinco pontos porcentuais em dois anos. Depois da enxurrada de críticas ao texto, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já deu em público três números diferentes de redução: 7,5 pontos porcentuais, 10 pontos e 15 pontos. Hoje, o lucro das empresas é taxado em 25% do IRPJ e em 9% por meio da Contribuição Social sobre o Lucro das Empresas (CSLL).

Para reduzir a taxação das empresas, governo e relator vão propor cortes em renúncias fiscais concedidas a setores específicos, um tema politicamente delicado e que vai exigir negociação no Congresso. Guedes e o relator apostam que os deputados vão entender a necessidade de cortar os incentivos de poucos setores para beneficiar muitas empresas.

A área técnica da Receita está fazendo os cálculos. Sabino e os técnicos do governo e da Câmara se reuniram no domingo e ontem para fechar o novo desenho do projeto. O relator quer manter a estratégia de apresentar para discussão as mudanças no projeto em reunião, hoje, com líderes dos partidos, mas a votação só deve acontecer depois do fim do recesso parlamentar, em agosto.

Sabino quer manter no relatório a taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos, mas garantir uma distribuição desses recursos para Estados e municípios. Como a arrecadação do IR é compartilhada com os governos regionais, o projeto tem deixado em alerta governadores e prefeitos.

Segundo Lira, a Câmara entregará uma reforma estruturante, que promoverá uma grande geração de emprego e renda nos próximos anos. "Faremos justiça fiscal e simplificação do sistema tributário", escreveu o presidente da Câmara no Twitter. O projeto também ficará mais enxuto com a retirada de medidas que apertam as operações de planejamento tributário consideradas abusivas – mecanismos usados pelas empresas para pagar menos impostos.

 

Projeção

R$ 20 bilhões

é a redução que o relator do projeto de reforma do IR afirma que haverá na carga tributária com as mudanças propostas por ele ao projeto que veio do governo, e que enfrenta forte oposição de empresários e do Congresso.

 

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Receita muda discurso e agora fala em alta na arrecadação até 2024

 

A Receita Federal prevê um ganho de arrecadação de R$ 6,15 bilhões nos próximos três anos, de 2022 a 2024, com impacto acumulado do projeto de lei que altera o Imposto de Renda das empresas, pessoas físicas e de investimentos. No cálculo anterior, que tinha sido divulgado pelo Fisco quando o texto foi enviado ao Congresso, o impacto estimado era de R$ 1,8 bilhão para esse mesmo período.

Agora, pelos números divulgados ontem, no último ano do governo Jair Bolsonaro o ganho total previsto é de R$ 2,47 bilhões – antes, o saldo positivo era de R$ 900 milhões ou, nos termos técnicos, "neutro" do ponto de vista arrecadatório.

Segundo o chefe do Centro de Estudos Tributários da Receita, Claudemir Malaquias, os ajustes são pontuais e as mudanças foram feitas depois de os dados do impacto da tributação de lucros e dividendos e do fim da possibilidade de as empresas deduzirem do imposto a pagar as despesas com Juros sobre Capital Próprio (JCP) terem sido desagregados.

Malaquias disse que, como o tema é muito complexo e as decisões envolvem muitas pessoas e empresas que foram afetadas pela redistribuição da carga, é natural essa pressão pelas análises técnicas das projeções.

As previsões de impacto e a metodologia de cálculo foram apresentadas ontem pela Receita após o órgão ter sido acusado de não ter passado as projeções e de ter errado na calibragem das alíquotas do IR para empresas, principalmente. As críticas partiram do setor privado e também de dentro da equipe econômica, com o que chamam de "sanha arrecadatória".

O governo agora incluiu na conta R$ 880 milhões de previsão com a arrecadação de medida que permite aos contribuintes fazerem atualização do imóvel pagando alíquota de 4% sobre a diferença do valor. Para 2023, a Receita estima uma redução no recolhimento de tributos de R$ 2,45 bilhões e, em 2024, de R$ 2,03 bilhões com essa mudança .

 

Remessas ao exterior. Nos cálculos, a Receita apresenta os dados junto do impacto da combinação das medidas de dividendos com o fim da dedução do JCP. Mas traz um dado novo: o impacto das duas medidas na remessa de lucros para o exterior: R$ 3,6 bilhões (2022); R$ 11 bilhões (2023) e R4 11,6 bilhões (2024). A taxação da cobrança na distribuição de empresas aqui no Brasil para o exterior é vista por analistas como prejudicial para os investimentos. A Receita defende a taxação. Segundo o Fisco, o sistema tributário nacional apresenta grande lacuna na tributação da renda proveniente do capital, pois atualmente não há carga tributária incidente sobre a distribuição de lucros e dividendos. / A.F. e LORENNA RODRIGUES