Título: Nova mancha
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Fonte: Jornal do Brasil, 03/09/2005, Opinião, p. A10

Com inegável preferência pelo fisiologismo, reconhecido por ruidosos disparates, decorrentes do hábito de primeiro falar para só depois pensar, além de especialmente apegado na defesa e distribuição de mordomias a si e aos colegas, o presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), tem às mãos uma missão inadiável: escapar da pecha de desonesto, um dos poucos adjetivos negativos que lhe faltavam na vida política. Afinal, a grave denúncia de Sebastião Augusto Buani, concessionário do restaurante do décimo andar do Anexo 4 da Câmara, expõe o comandante do baixo clero ao time dos suspeitos - no caso de Severino, não de receber o ''mensalão'', mas uma trambicagem igualmente vexatória. Segundo a acusação de Buani, o presidente da Câmara estaria cobrando propina para renovar o contrato de concessão do restaurante. O cancelamento da viagem a Nova York, onde discursaria na ONU, já evidencia o tamanho do problema depositado sobre seus ombros. Maior, por exemplo, do que a constatação de que, em sua cidade natal, comerciantes guardam meia dúzia de cheques sem fundos passados por ele em campanhas eleitorais.

A favor do acusado, ressalte-se o mérito de agir com rapidez para explicar-se. Ontem mesmo, ao ser informado de que a denúncia viria a público, Severino reuniu-se com os aliados mais próximos e divulgou nota na qual afirma que ''Buani mente descaradamente para obter favores, aproveitando-se da situação com mais denúncias sem fundamentos''. Além da tentativa de extorsão, o presidente da Câmara afirma que pediu ao ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, para a Polícia Federal investigar o episódio.

Menos mal. Severino sabe que nem a mais alta condecoração conferida pelo Itamaraty, recebida um dia antes das mãos do presidente Lula, preserva-lhe a imagem. Até porque seu capital político já está suficientemente abalado pelos sucessivos equívocos - práticos e retóricos - cometidos à frente da Câmara. (No último, pregou punições mais brandas para colegas envolvidos em crimes de caixa dois.) A denúncia sugere que Severino abusou dos muitos anos em que foi primeiro secretário da Casa. E que continuou abusando depois de ser eleito presidente, em fevereiro deste ano. Terá tempo e espaço para defender-se. Mas não é preciso mais esta mancha na sua trajetória recente para perceber que Severino é o homem errado no lugar errado.