Título: Homeopatia
Autor: Sergio Abramoff
Fonte: Jornal do Brasil, 03/09/2005, Outras Opiniões, p. A11

Em recente editorial (''The end of homeopathy''), a mais importante revista médica européia (The Lancet, 25/08/2005) condena a eficácia terapêutica da homeopatia. O comentário baseia-se em artigo desta mesma publicação, no qual pesquisadores suíços revisam 110 trabalhos científicos e chegam à conclusão de que a homeopatia não apresenta resultados superiores ao efeito placebo. A homeopatia é um sistema de prática médica que data do início do século 19, cujas premissas se mantém inalteradas:

1) Primum non nocere - assim como na atualidade e mais ainda em uma época em que as armas da medicina tradicional eram as sangrias, elixires, ventosas, clísteres e medicamentos de eficácia questionável, a afirmação de que antes de tudo é fundamental não causar danos ao paciente, é ressaltada como axioma máximo.

2) Similia similibus curentur - uma doença seria curada por um remédio que provocasse no organismo humano os mesmos sintomas por ela acarretados. O sintoma seria um caminho de auto-cura do paciente, que deveria ser estimulado.

3) Unicismo - um único remédio deveria corresponder e expressar todos os sintomas (físicos e emocionais) apresentados. A homeopatia trata de pacientes, e não de doenças; assim diferentes pacientes com a mesma doença são tratados de forma diferente.

4) Os remédios são dados em doses infinitesimais - uma substancia vegetal é misturada ao álcool formando uma tintura, que a seguir tem uma gota diluída em 99 gotas de álcool, sendo vigorosamente agitada. Uma gota desta solução é sucessivamente diluída em 99 gotas de álcool, até que nas diluições maiores já não exista qualquer molécula da substância original. Quanto mais diluída uma solução, mais poderosa ela seria.

Embora os três primeiros fundamentos não agridam de forma contundente o nosso bom senso, o último - no qual se baseia toda a terapêutica - contraria todos os padrões de nossa realidade. Nada se comporta desta maneira no mundo que nos cerca (quanto mais diluído, mais forte).

O que seria então este efeito placebo? A doutora Sally Penrose, diretora da Faculdade de Homeopatia Britânica, ao questionar as conclusões do artigo do Lancet, afirma que 70% dos pacientes referem alterações positivas de saúde após os tratamentos homeopáticos: ''esses são pacientes que usualmente exauriram primeiro todas as opções convencionais e estão lidando com sofrimento intolerável'' .

Seria esta uma seleção prévia de pacientes eminentemente psicossomáticos, nos quais a postura receptiva do homeopata, as visitas de tempo mais prolongado, e a intervalos mais curtos, teriam um efeito reassegurador e terapêutico? E seria condenável esta prática, mesmo que todas as evidências científicas provassem sua ineficácia medicamentosa?

Talvez seja recomendável mais humildade aos alopatas, antes de condenarem com veemência um método que em profissionais receptivos, criteriosos e carismáticos superam em muito as estatísticas e coerências científicas. Da mesma forma, a humildade e o bom senso seriam fundamentais aos homeopatas, para reconhecerem os enormes avanços da ciência nos últimos 200 anos, e solicitarem a contribuição da medicina moderna às doenças de apresentação aguda, de potencial lesivo à vida do paciente, ou de evolução desfavorável à abordagem inicial homeopática.

As diferentes práticas não são necessariamente excludentes, se todos seguirem ao pé da letra o primum non nocere, seja por iatrogenia medicamentosa, seja por omissão do melhor diagnóstico e tratamento disponíveis.