O Estado de São Paulo, n. 46657, 15/07/2021. Política p.A8

 

Projeto prevê que Câmara dê início a impeachment

 

André Shalders

No Brasil, é o presidente da Câmara dos Deputados quem decide quais projetos de lei serão votados e também quando – e se – algum pedido de impeachment será analisado pelos outros 512 colegas. Em relação ao impedimento, está em discussão no Congresso a ideia de que o processo contra o presidente da República possa começar a tramitar se tiver a assinatura da maioria dos deputados.

No começo do mês, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) e outros parlamentares da sigla apresentaram um projeto de resolução (PRC) que pretende mudar o poder absoluto do presidente da Câmara em relação ao impeachment. Pela proposta, o presidente da Câmara teria um prazo total de 60 dias para dar resposta aos pedidos de impeachment. E mais importante: o ato contra o presidente da República poderia começar a tramitar ao receber o apoio da maioria absoluta dos deputados, ou seja, 257.

Até ontem, o presidente Jair Bolsonaro tinha contra si 130 pedidos de impeachment, recebidos pela Secretaria-geral da Mesa da Câmara desde o começo do mandato dele, em janeiro de 2019. Alguns foram descartados por problemas técnicos, mas a maioria estava "em análise", isso é, aguardando despacho do atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Nem ele nem seu antecessor no cargo, Rodrigo Maia (DEM-RJ), analisaram o mérito de nenhum dos pedidos até agora.

Além de Adriana, outros quatro deputados do Novo, um partido de direita liberal, assinam a proposta: Paulo Ganime (RJ) Alexis Fonteyne (SP), Tiago Mitraud (MG) e Vinicius Poit (SP).

O requerimento representa a adesão de uma parte da direita a uma ideia que já era defendida por partidos de esquerda que fazem oposição a Bolsonaro: a de que o presidente da Câmara não pode ter o monopólio sobre o tema do impeachment.

Pedidos anteriores com o mesmo objetivo do apresentado pelo Novo já tinham sido feitos pelos deputados Henrique Fontana (PT-RS), em maio deste ano; e Denis Bezerra (PSBCE), em maio de 2020. Como a proposta do cearense é a mais antiga, os outros dois projetos foram apensados a ela.

"O que a gente está discutindo é que, se a Câmara é a Casa do Povo, esta Casa não pode ficar à mercê da vontade de uma única pessoa, que é o seu presidente. Não é porque é este presidente (Arthur Lira). É qualquer presidente da Câmara. Ele tem um poder absurdo. Decide o que entra ou não em pauta, o que vai ou não para frente", diz Adriana Ventura ao Estadão.

"O que o projeto de resolução busca é dar um prazo para isso (decisão sobre os pedidos de impeachment). Isso (protelação indefinida) não é saudável. Qual o sentido disso?", questionou ela.

"O projeto de resolução dá 30 dias, que podem ser prorrogados por mais 30, para que o presidente analise. Se arquiva, ou se instala a comissão especial (que começa análise do pedido de impeachment), como prevê o regimento (Interno). O problema é não ter nada que obrigue o presidente da Casa a fazer isso. Hoje, se ele quiser deixar anos engavetado ele deixa", diz ela.

 

Tramitação. Assim como outros tipos de projetos, a tramitação de um PRC desse tipo depende da Mesa Diretora da Casa, comandada por Lira. No caso dos projetos de resolução (PRCS), como o apresentado pelo Novo e pelos deputados do PT e do PSB, a tramitação começa pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Na opinião de Adriana, um pedido de impeachment que alcance o apoio de mais da metade dos deputados teria legitimidade suficiente para, ao menos, ser analisado pela Câmara no rito do impeachment, o julgamento do mérito é feito depois, pelo Senado. "Vamos supor que tenha um pedido de impeachment com 257 deputados apoiando. A gente está falando da maioria da Casa. Nesse caso, vai direto para a comissão especial. O projeto de resolução estabelece isso, que eu acho que é justo", diz ela.

 

Protocolados

130

pedidos de impeachment de Bolsonaro já foram protocolados na Câmara desde o início do mandato; maioria segue em análise.

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Relatório inclui 'distritão' para eleições de 2022

 

Camila Turtelli 

 

A nova proposta de reforma política apresentada pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP) prevê o distritão como modelo para as eleições de 2022. Por esse sistema, os deputados mais votados nos Estados são eleitos, independentemente do peso de cada partido. A ideia é que haja um período de transição até 2026, quando seria adotado o distrital misto. Atualmente, o Brasil tem um sistema proporcional, que reserva vagas por partidos.

Presidente do Podemos, Abreu também desistiu de determinar a obrigatoriedade de vagas para mulheres no Legislativo, como defendia. Originalmente, a deputada propunha uma reserva de 15% para elas. O texto manteve, no entanto, a determinação de dar peso dobrado aos votos recebidos pelas candidaturas femininas no cálculo usado para a distribuição dos financiamentos públicos dos fundos eleitoral e partidário.

O relatório também altera a data de posse do presidente, governadores e prefeitos, que seria deslocada de 1º de janeiro para o dia 5. Após a leitura do parecer, deputados pediram vista e a votação ficou para agosto. Para que as mudanças sejam válidas para a próxima eleição, a proposta precisa ser aprovada no Congresso até outubro.

 

Senado. O Senado, por sua vez, deu sinal verde para uma proposta de reforma que redefine o critério de distribuição das "sobras eleitorais" e reduz as chances de partidos pequenos ocuparem vagas no Legislativo. O texto foi aprovado por 57 a 14 votos e segue agora para Câmara.

O projeto acaba com a possibilidade de partidos pequenos ficarem com a sobra da distribuição de vagas na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, o que deve diminuir o número de legendas e forçar as siglas a formar federações por uma questão de sobrevivência política. Com o desempenho obtido nas últimas eleições, o PC do B, a Rede e o Cidadania correm o risco de ficar sem vagas na Câmara./COLABOROU ANNE WARTH

 

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A inconsistência temporal de uma política de espasmos

 

ANÁLISE: Carlos Melo

 

A relação e a harmonia entre os três Poderes do Brasil, nesta quadra histórica, é “uma contração espasmódica (…) seguida de movimento de distensão e relaxamento”, com pouco ar. Esta também é a definição do dicionário Houaiss para “soluço”. A paz institucional desses dias se assemelha a esse processo físico de uma anatomia que já apresenta desgastes e deriva numa série de problemas. A ironia da reunião que não houve, entre os três Poderes, é que ela possa ser metaforizada pelo surto de soluços que, infelizmente, atingiu o presidente da República, Jair Bolsonaro.

Não é a primeira vez que se aventa uma reunião de Poderes para pactuar um grande acordo, uma agenda ou uma simples trégua, com compromissos de não agressão. Encontros desse tipo têm resultado em fotografias com os chefes dos três Poderes, risos pálidos com o tempo e em declarações de intenção, em convescotes nos palácios. Imagens rapidamente apagadas pela intolerância e irascibilidade da personalidade central e exaltada do presidente da República.

Jair Bolsonaro não sofre apenas de crises de soluços – desarranjo pelo qual merece estimas de recuperação. Seu maior problema é mesmo a inconsistência temporal de uma política feita de espasmos. O que o presidente diz e com que se compromete, após reveses e apertos causados por ele mesmo, não é sustentável no tempo e no âmbito do radicalismo da base que lidera e emula. Bolsonaro se tornou refém daquilo que ele mesmo desejou e estimulou: sua base radical, míope e negacionista. Voltarse a acordos mais amplos e dirigir-se ao conjunto da nação, na sua imaginação e na pressão que de fato sofre, equivaleriam à capitulação. E, mais à frente, a isolamento ainda maior.

Por isso, seu compromisso com esses pactos deixou de ser crível, confiável. São apenas sinais momentâneos e parciais de uma disposição que, na verdade, o presidente não possui. Por que essa calmaria de agora? O próprio presidente o disse, nos cercadinhos ao pé do palácio: não pode contar com “gente importante” ao seu lado. O PIB, o Congresso, o STF, as ruas. Agarrado ao guidom de uma motocicleta, é um presidente “sem destino”, movido a soluços. Que essa doença possa ser superada.