O Globo, n. 32751, 08/04/2023. Política, p. 8

Homem acima de 45: o perfil dos presos por atos

Paolla Serra


Marcos Rabelo, de 20 anos, deixou a cidade paraense de Marabá, em novembro do ano passado, para morar no acampamento montado por bolsonaristas em Brasília por não concordar com o resultado das eleições. O mesmo motivo levou João de Oliveira Neto, 20, a deixar a piauiense Dirceu Arcoverde, com cerca de sete mil habitantes, para uma temporada na capital federal. Iraci Meugmi Nagoshi, 71, por sua vez, pegou um ônibus em São Caetano do Sul (SP), onde dirigia uma escola, para participar dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Três meses após os ataques golpistas, Marcos, João e Iraci fazem parte do grupo de 251 pessoas —172 homens e 79 mulheres —que continuam presas no Complexo Penitenciário da Papuda, a 17 quilômetros da Praça dos Três Poderes.
Um cruzamento de informações realizado pelo GLOBO mostra o perfil dos encarcerados: na maioria são homens, têm idade média de 46 anos e partiram, principalmente, de estados como São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Paraná. Os dados revelam que, no Centro de Detenção Provisória II, na Papuda, há apenas oito homens que foram presos em 8 de janeiro e têm até 25 anos —entre eles, Marcos e João. Eles dividem a rotina na prisão com Miguel Cândido da Silva, do Distrito Federal, de 72 anos, o mais velho.
Entre as mulheres detidas na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia, a mais jovem é a goiana Geissimara Alves de Deus, de 27 anos, que deixou a cidade de Fazenda Nova, com aproximadamente cinco mil moradores, para participar dos atos. E a mais velha é Iraci, de São Caetano do Sul. A reportagem tentou contato com os advogados dos detidos citados, mas não obteve resposta.
Além de duas horas de banho de sol diário, aos detentos são oferecidas quatro refeições: café da manhã com pão com manteiga ou margarina e um achocolatado; almoço e jantar com 650 gramas, sendo 150 de proteína, 150 de guarnição, 150 de feijão e 200 de arroz, e suco de caixinha; e ainda ceia com um sanduíche e uma fruta.
Nos presídios, eles recebem as visitas de advogados, defensores públicos e, a cada duas semanas, por duas horas, podem conversar com familiares previamente cadastrados. Como muitos dos presos são de fora do Distrito Federal, a maioria acaba não vendo seus parentes. Também são ofertados atendimentos médicos e assistência religiosa e jurídica.
De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária do DF, ao todo, 1.103 pessoas presas em flagrante já foram liberadas, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e são monitoradas com tornozeleiras eletrônicas. Do total, 448 moram no Distrito Federal, e 655 fora da capital.
Outros estados
Alguns dos presos por participação nos atos, contudo, aguardam julgamento em outros estados. Flagrado por câmeras de segurança quebrando, no Palácio do Planalto, um relógio que foi de Dom João VI, o mecânico Antônio Cláudio Alves Ferreira, por exemplo, foi preso no interior de Minas Gerais no dia 24 de janeiro e levado para um presídio em Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
A maior parte dos que continuam presos, contudo, foi detida ainda no dia dos atos, durante a invasão aos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF, ou no dia seguinte, quando a Polícia Militar desmobilizou o acampamento instalado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília. Os manifestantes golpistas defendiam uma intervenção militar que tirasse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva da Presidência em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, derrotado nas eleições do ano passado.
Até o momento, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já ofereceu 1.390 denúncias no âmbito de três inquéritos que tratam dos atos antidemocráticos, sendo 239 no núcleo dos executores, 1.150 no núcleo dos incitadores e uma pessoa no núcleo que investiga suposta omissão de agentes públicos. Com as denúncias apresentadas na última quarta-feira, o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos da PGR esgotou o trabalho relativo às pessoas detidas em 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes e àquelas presas no dia seguinte às invasões, no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército.
Para a PGR, o primeiro núcleo deve responder por crimes mais graves, como golpe de Estado e tentativa violenta de abolição do Estado Democrático de Direito, com penas que podem chegar a 30 anos de reclusão. O segundo, por delitos considerados mais leves, de incitação equiparada pela animosidade das Forças Armadas contra os Poderes Constitucionais e associação criminosa, cuja pena máxima não supera quatro anos de reclusão. O terceiro incluirá também a prevaricação, que consiste em retardar, deixar de praticar ou praticar indevidamente ato de ofício, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Ao GLOBO, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, coordenador do Grupo Estratégico, explicou que a partir de agora os esforços serão concentrados para avançar nas investigações que buscam identificar os financiadores dos atos. Com isso, servidores do órgão passam a se debruçar em rastrear dados que levem aos responsáveis por arcar com custos do acampamento, como o fretamento de ônibus para transporte dos manifestantes e também os gastos com a logística de toda a estrutura montada no local.