O Globo, n. 32753, 10/04/2023. Rio, p. 16

Diagnóstico do caos

Jéssica Marques
Rafael Galdo


Há seis anos a estudante Thayane Teshima, de 26 anos, toma remédios diariamente para conter os sintomas de náusea, fadiga, espasmos musculares e inchaços no corpo. Em novembro de 2017, ela foi diagnosticada com insuficiência renal crônica. A notícia caiu como uma bomba para a jovem, que não tinha condições de pagar por um tratamento particular.

Os primeiros exames foram feitos no Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, onde permaneceu 51 dias internada. Sem avanço no tratamento, foi transferida no ano seguinte para o Hospital Federal de Bonsucesso —onde se trata até hoje —com a promessa de que a unidade teria estrutura para cuidar do seu caso, o que não vem acontecendo.

À espera de cirurgia

No mesmo período, sua mãe, Daniele Menezes Moreira, recebeu diagnóstico semelhante e faz hemodiálise. Elas aguardam na fila do SUS para procedimentos cirúrgicos de alta complexidade há mais de um ano. A estudante, por um transplante de rim, já que seu caso é mais grave. A mãe, para retirada de pedras na vesícula.

— Eu também tenho lúpus —conta Thayane. —Quando fui diagnosticada com a doença, fui retirada da fila de espera. Alegaram que eu precisaria fazer o tratamento do lúpus antes de operar. O problema é que não fui reinserida no sistema. Minha mãe também está sofrendo. Precisamos de cirurgia e não temos ideia de quando seremos chamadas. Até lá, seguimos no tratamento paliativo, torcendo para estarmos vivas até chegar a nossa vez.

O drama de Thayane e Daniele não é caso isolado. Relatório elaborado por uma comissão técnica criada na atual gestão do Ministério da Saúde, fruto de vistorias nos seis hospitais federais do Rio, reforça o estado de calamidade na rede. Com andares inteiros fechados, incluindo setores como emergência pediátrica, unidade coronariana e CTI, os hospitais tinham, no fim do mês passado, 252 leitos fechados para atendimento de alta complexidade, segundo o censo hospitalar (de acordo com o relatório, já foram 500).

O documento, a que O GLOBO teve acesso com exclusividade após reunião da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa (Alerj) com representantes do Departamento Geral de Hospitais (do Ministério da Saúde), mostra que os piores cenários foram encontrados nos hospitais de Bonsucesso (HFB), do Andaraí (HFA) e dos Servidores do Estado (HFSE), que totalizam 27 setores fechados por falta de manutenção, obras ou devido a equipamentos deteriorados. O debate na Alerj ocorreu no dia 29 de março, quando parlamentares cobraram soluções para a rede federal.

O diagnóstico revela ainda que os seis hospitais não passam por obras e avaliações há pelo menos sete anos, e que a falta de gestão hospitalar é a principal causa do abandono. Outro agravante é a ausência de troca dos equipamentos deteriorados. Segundo o relatório, as administrações esperavam que eles quebrassem para solicitar a substituição.

Equipamentos obsoletos

No Hospital de Bonsucesso, 80% dos equipamentos estão obsoletos. A unidade é a que mais tinha leitos impedidos na época das visitas: 140 (no fim de março eram 120, segundo o censo hospitalar). Recentemente, oito leitos de clínica médica e seis da unidade coronariana foram reabertos.

Durante a vistoria em Bonsucesso, técnicos encontraram as alas de pós-operatório, diálise peritoneal e cardiologia fechadas, além de 18 leitos de pediatria impedidos e quatro salas de cirurgia interditadas. Atualmente, o hospital está funcionando com 15 leitos de pediatria, todos ocupados.

Segundo o censo hospitalar, as UTIs para atendimento de alta complexidade também funcionam com baixa capacidade. Dos 171 leitos oferecidos na rede federal do Rio, 88 estão impedidos — sem condições de uso por falta de equipamentos — e 64 desocupados (não há pessoal para ativá-los).

Cerca de 8 mil pessoas estão na fila de espera por procedimentos cirúrgicos de alta complexidade em todo o estado, segundo afirmou na Alerj a superintendente de regulação da Secretaria estadual de Saúde (SES), Kitty Crawford. De acordo com ela, 900 pessoas entram por mês no Sistema de Regulação (Sisreg). No entanto, a oferta total de vagas pelo SUS é de 700. Ainda segundo a SES, seriam necessários mais 255 atendimentos por mês para não sobrecarregar o sistema.

De volta ao fim da fila

Teoricamente, segundo a SES, os pacientes que aguardam cirurgias já passaram pela regulação estadual, sendo cadastrados no sistema e encaminhados para algum hospital federal. A partir dessa primeira consulta, o paciente passa a ser um compromisso da unidade que o acolheu. Mas, pela falta de estrutura, ele acaba retornando ao fim da fila.

Outro ponto levantado nas discussões foi o remanejamento de profissionais entre as seis unidades federais. Hoje os hospitais não possuem um setor de recursos humanos, o que dificulta a contratação de médicos e enfermeiros para a rede, agravando os problemas de atendimento.

Em relação às ações que estão sendo tomadas, o Ministério da Saúde informou que no mês que vem o Hospital do Andaraí terá uma nova ala de oncologia. E que as obras do primeiro Centro de Radioterapia da rede federal estão em andamento na mesma unidade, com previsão de inauguração em setembro.